Pandemia expõe exploração de trabalhadores sazonais
1 de agosto de 2020"Não volto nunca mais para a Alemanha, nem mesmo de férias", assegura a trabalhadora sazonal da Romênia Mariana Costea, em entrevista à DW. Ela passou dois meses trabalhando numa fazenda da Baviera, e não conseguia mais suportar horas extras não remuneradas, os dormitórios imundos e o risco de contrair o novo coronavírus, já que não se aplicara nenhuma medida de proteção.
"Não podia aceitar oito de nós tendo que compartilhar um quarto e um banheiro", lembra. Para piorar a situação, os 30 trabalhadores sazonais compartilhavam uma única cozinha.
Todas as manhãs, 14 ou 15 dos cidadãos do Leste Europeu se amontoavam numa minivan de apenas oito assentos, onde eram levados para trabalhar nos campos. À noite, eram levados de volta a suas acomodações superlotadas. Segundo Costea, os responsáveis não fizeram nenhum esforço para impor o distanciamento social e outras precauções de proteção contra o Sars-cov-2.
Costea é uma dos muitos trabalhadores sazonais do Leste Europeu que têm se manifestado sobre as condições catastróficas de trabalho e de vida que tiveram na Alemanha. Eles relataram experiências apavorantes do trabalho em frigoríficos, entregas, cuidados de saúde, na construção civil e no campo.
No entanto, há anos sabe-se de muito disso, como reconheceu recentemente o ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, numa coletiva de imprensa em Berlim: "O coronavírus é como uma lupa, veem-se coisas que antes já não estavam corretas."
Alex (nome alterado para proteger sua identidade), contou à DW sobre sua experiência de dois anos trabalhando para a empresa Tönnies, o maior frigorífico da Alemanha: "Eles nos faziam trabalhar entre dez e 13 horas por dia, ao invés de oito horas com uma pausa de 45 minutos. Era exaustivo e psicologicamente desgastante." Ele teme enfrentar sérias consequências se alguém descobrir seu nome verdadeiro.
A maioria dos trabalhadores sazonais é empregada por empresas terceirizadas, ou seja, são contratados por uma empresa externa e não pelos frigoríficos que, assim, não são diretamente responsáveis por eles. Para a maioria deles, o trabalho é remunerado de acordo com o número de peças processadas, não do tempo efetivamente gasto no trabalho.
Alex também foi contratado por uma terceirizada que supervisiona partes da produção de carne, tendo que aceitar suas condições. As tarefas distribuídas eram simplesmente impossíveis de ser cumpridas numa jornada regular de oito horas. Além de isso constituir uma exploração sistemática, quem reclama é demitido. As empresas simplesmente não respeitam as normas trabalhistas alemãs.
De acordo com diversos relatos de trabalhadores, pouca ou nenhuma precaução foi tomada para proteger os trabalhadores do frigorífico Tönnies. Por isso, não houve surpresa quando, no início de junho, mais de 1.500 dos cerca de 7 mil trabalhadores testaram positivo para o novo coronavírus. Em consequência, Gütersloh, local da fábrica, foi colocada sob quarentena.
Os promotores federais estão agora tomando medidas legais contra a empresa e várias terceirizadas, acusadas de violar a lei alemã sobre prevenção e controle de doenças infecciosas.
Terceirizadas são difíceis de monitorar
Há muitas empresas terceirizadas e agências de recrutamento que fornecem mão de obra para as companhias alemãs, e é difícil manter o controle de como elas tratam e alojam os trabalhadores.
Nascido na Romênia, Marius Hanganu aconselha na Confederação Alemã dos Sindicatos (DGB) trabalhadores de todo o Sudeste Europeu contratados por empresas terceirizadas. Ele explica que a agência alfandegária e os departamentos de saúde pública da Alemanha são responsáveis por garantir que sejam cumpridas as normas básicas de trabalho e moradia, mas os controles não são tão minuciosos como deveriam ser.
Na Baviera, por eexemplo, as empresas foram alertadas sobre inspeções iminentes pela agência aduaneira. "É intrigante como um departamento estadual poderia ter tais vazamentos", comenta. Em sua opinião, deve ter havido um informante nos escalões superiores da agência.
A DW procurou a Direção Geral das Alfândegas (GZD, em alemão) para comentar a alegação. "Não temos conhecimento disso", afirmou a autoridade federal numa resposta sumária.
Após a divulgação de notícias sobre o aumento das infecções por coronavírus em fazendas e frigoríficos alemães devido às condições deploráveis de trabalho e moradia, os legisladores alemães foram obrigados a tomar medidas. Eles planejam proibir a contratação de funcionários terceirizados para a indústria de carnes. Assim, a partir de 1º de janeiro de 2021, os frigoríficos terão que empregar diretamente todos os seus trabalhadores.
O ministro Hubert Heil apresentou um projeto de lei que será debatido, e provavelmente aprovado, após o recesso de verão do Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão). Não está claro, no entanto, por que essa medida não será aplicada também a outros setores onde ocorrem abusos semelhantes.
"Há áreas em que as normas trabalhistas precisam ser monitoradas. Vamos elevar os padrões para termos mais influência em setores cruciais", promete Heil. "Vamos tratar também de inspeções para a proteção no trabalho, que serão ampliadas, para podermos interferir mais em setores de risco."
Um novo surto do coronavírus na Baviera colocou mais uma vez em evidência o gritante desrespeito das empresas pelas precauções contra a covid-19, assim como a falta de controle governamental da aplicação dessas normas. Numa empresa agrícola de Mamming, cerca de 140 quilômetros a nordeste de Munique, mais de 170 trabalhadores sazonais testaram positivo para covid-19. A maioria vem da Romênia, outros são da Bulgária, Hungria e Ucrânia. Devido ao surto, os funcionários da empresa foram colocados em quarentena.
Em entrevista coletiva na última segunda-feira (27/07), o governador da Baviera, Markus Söder, afirmou que a empresa infringiu sistematicamente as regras de higiene e outras normas, levando-o a exigir verificações mais duras e sem aviso prévio, tanto durante o dia quanto à noite.
Söder também sugeriu aumentar o valor das multas por tais violações de 5 mil para 25 mil euros. Além disso, quer que todos os trabalhadores sazonais da Baviera se submetam a testes para o novo coronavírus, e acenou com a possibilidade de um lockdown regional.
A pandemia tem chamado a atenção para o tratamento desumano dos trabalhadores que persiste na Alemanha há anos. O surto pode representar uma oportunidade de finalmente melhorar a vida de muitos que saem do Leste da Europa à procura de melhores condições.
Alex está convencido de que sem a pandemia, tudo teria continuado como antes. Ele agora tenta a sorte em outro frigorífico, numa posição permanente. E promete que não se deixará mais explorar.
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