Pandemia reaquece polêmica sobre hospitais na Alemanha
22 de abril de 2020Ainda há pouco a Alemanha se perguntava quando suas capacidades hospitalares esbarrariam em seus limites, no contexto da pandemia de covid-19. Agora, diante do recuo, em parte drástico, da lotação, as clínicas exigem um retorno ao funcionamento normal. E observadores estrangeiros se perguntam como o país tem conseguido atravessar tão bem a crise do coronavírus.
O número de mortes pelo vírus tem sido muito menor na Alemanha do que em outros países com um número semelhante de contágios. E não ocorreu uma sobrecarga do sistema de saúde, como, por exemplo, na Itália, onde há carência de leitos e respiradores artificiais.
Entre os motivos para tal têm sido mencionadas as grandes capacidades dos hospitais alemães. Segundo cálculos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o número de vagas para tratamento intensivo por habitante na Alemanha é o dobro do da França, e quase quatro vezes o da Itália ou da Espanha.
No entanto, pouco tempo atrás economistas da saúde utilizavam as comparações internacionais para, acima de tudo, acusar o país de manter um excesso caro e desnecessário de leitos hospitalares. "Na Alemanha há hospitais demais", declarava a Fundação Bertelsmann ainda em meados de 2019, aconselhando que a maioria das clínicas fosse fechada.
"Uma forte diminuição do número de clínicas, das atuais 1.400 a bem menos de 600, melhoraria a qualidade de tratamento para os pacientes e reduziria os atuais gargalos em termos de médicos e enfermeiros", recomendava a fundação, ao apresentar a pesquisa realizada por encomenda.
Também a Academia Nacional de Ciências Leopoldina, que aconselha o governo federal alemão no contexto da atual pandemia, criticava em 2016 um "sistema desnecessariamente inflacionado, com hospitais demais", embora sem citar números concretos.
Conselhos funestos?
"Se tivéssemos implementado o que o estudo da Bertelsmann aconselhava na época, estaríamos hoje numa situação muito pior no atendimento aos pacientes do coronavírus", conclui Georg Baum, diretor-gerente da Sociedade Alemã de Hospitais (DKG). "Teríamos uma pior disponibilidade de clínicas e, com certeza, menos vagas de tratamento intensivo."
A Fundação Bertelsmann foi também severamente criticada nas redes sociais por seus conselhos de cortes da época. Ela se recusou a responder à DW se reveria suas recomendações diante da pandemia da covid-19, alegando ser "cedo demais para, a partir de uma crise imprevisível, tirar conclusões de base para a futura estrutura hospitalar".
Um dos coautores do estudo se mostra menos fechado: "À luz da pandemia, nosso estudo é duramente criticado, e se afirma que os resultados não são sustentáveis. Não concordo em absoluto", rebate Martin Albrecht, diretor do Instituto de Pesquisas Sociais e de Saúde (Iges), uma firma privada de consultoria de Berlim.
Segundo ele, o atendimento dos casos graves de covid-19 antes confirma do que rechaça a tese central da pesquisa da Bertelsmann. "Nosso estudo é um apelo para que os hospitais se concentrem nos casos graves. Por isso, precisam estar mais bem providos de pessoal e equipamento."
Em suma, ele e a fundação teriam reivindicado uma "concentração de serviços": um número menor de grandes clínicas, atendendo a mais pacientes e dispondo de médicos especialistas e aparelhos ultramodernos, prontos a serem acionados 24 horas por dia.
Especificamente a oxigenação artificial dos enfermos de covid-19 é altamente complexa e exige não só respiradores, mas também especialistas experientes, prossegue Albrecht. "Portanto precisamos de pessoal que disponha da experiência necessária. No entanto, isso não é possível em mil locais ao mesmo tempo: nesse ponto, faria sentido concentrar capacidades e expertise."
Segundo a Bertelsmann, os numerosos pequenos hospitais, mal equipados e deficitários,deveriam ser fechados. Além disso, muitos serviços poderiam ser prestados em regime ambulante, ou seja, por médicos licenciados. E os alemães procuram excessivamente os hospitais: "Cerca de um quarto dos casos tratados hoje nas clínicas alemãs não precisariam ser atendidos em regime estacionário", afirmava a fundação em seu estudo.
Entre saúde e economia
A controvérsia, contudo, é se a Fundação Bertelsmann defende um atendimento médico melhor ou apenas mais econômico. Georg Baum, da DKG, considera um erro colocar acima de tudo para lotação e eficiência no setor de saúde, pois os hospitais conseguiram funcionar na crise justamente por dispor de reservas.
"Essas capacidades ociosas são justamente o seguro de vida para muitos cidadãos e para o sistema de saúde alemão como um todo", afirma. Além disso, um sistema com poucas grandes clínicas é muito mais vulnerável em tempos de uma pandemia virótica: "Nem pensar o que aconteceria se um desses grandes hospitais não pudesse receber mais pacientes por uma problemática de contágio."
Albrecht concorda serem necessárias reservas para tais casos, e que as estruturas "não podem estar calculadas para 100% de eficiência". No entanto, o planejamento das reservas não pode se guiar no dia a dia por um cenário extremo, como a pandemia de covid-19. "Nenhum sistema de saúde pode financiar isso, é caro demais."
Já Baum recorda os danos causados pelo coronavírus. "Em tempos assim, a doença acarreta custos à economia mundial na casa dos bilhões. Comparativamente, é mais barato manter alguns excedentes de capacidade no atendimento hospitalar."
Seja como for, ele espera que a discussão sobre o sistema de saúde mude fundamentalmente após a crise. Antes, os políticos eram "totalmente vulnerável" às teses da Fundação Bertelsmann, mas ele crê que "haverá uma reavaliação total", já que "agora também os políticos compreenderam o alto valor de nossas capacidades hospitalares existentes".
Por sua vez, Albrecht insiste que não se deve reverter a "privatização e mecanismos de mercado no setor de saúde", já que "as discussões dos últimos anos estavam corretas".
Fica em aberto em que resultará a situação. O que está certo desde já, é que após a crise do coronavírus haverá, nos cofres públicos e privados, menos dinheiro à disposição do que antes.