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Para além da compreensão

Simone de Mello27 de janeiro de 2006

Livro aborda vantagens de se aceitar a incompreensão como algo inevitável e insolúvel.

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'Kultur Nicht Verstehen' (Não Entender Cultura)

Kultur Nicht Verstehen: Pruduktives Nichtverstehen und Verstehen als Gestaltung (Não Entender Cultura: Não-Compreensão Produtiva e Compreensão como Princípio Configurador). Org. Juerg Albrecht, Jörg Huber, Kornelia Imesch, Karl Jost, Philipp Stoellger. Viena / Nova York: Springer (Zurique: Edition Voldemeer), 2005; 347p.

Um dos argumentos mais freqüentes usados na caracterização da cultura de entretenimento, em oposição à chamada "alta cultura", é o fato de aquela ser acessível a todos, ou seja, perfeitamente inteligível. Por outro lado, as manifestações culturais que não se compreendem tão facilmente são consideradas elitistas e deliberadamente direcionadas a um reduzido grupo de iniciados.

Luther übersetzt die Bibel
Lutero traduz a Bíblia, gravura de Gustav König, (1808–1869), 1847

Para escapar a este antagonismo muitas vezes empobrecedor, seria interessante questionar de onde vem a exigência de que a arte seja perfeitamente compreensível. Uma coletânea de textos teóricos publicada pela Edition Voldemeer (Springer Verlag) discute o conceito de cultura, incorporando a interferência do ininteligível. O livro inclui contribuições de intelectuais de diversas áreas, como teoria literária, filosofia, teoria da ciência, filosofia da religião, teologia, teoria da arte e do cinema.

Arte é feita para ser entendida

"A arte, por exemplo, não se realiza através da compreensão, mas sempre desperta perplexidade e reflexão, na melhor das hipóteses, ou mera incompreensão até o tédio, na pior das hipóteses. A produtiva irritação provocada pelo não compreendido sempre incita à releitura", constata Philipp Stoellger, professor de Teologia do Instituto de Hermenêutica e Filosofia da Religião da Universidade de Zurique.

A releitura talvez seja o critério essencial para diferenciar objetos de arte descartáveis daqueles que desafiam o leitor, observador ou espectador a retornar àquilo que se manteve enigmático durante a apreciação. Mas será que o desafio, neste caso, seria reler e reler e reler, até se desvendar o mistério? É justamente isso que desmente esta coletânea de textos.

Não entender faz parte

Hans-Georg Gadamer, deutscher Philosoph
Hans-Georg Gadamer, 2000Foto: AP

A Hermenêutica, ciência da compreensão dos textos, desenvolvida tanto como pressuposto teológico da exegese bíblica como método de reflexão filosófica e científica (desenvolvido por Friedrich Schleiermacher, Wilhelm Dilthey, Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer, entre outros) parte do pressuposto de que tudo o que não foi compreendido pode ser desvendado por uma leitura cíclica.

O ciclo descreve um movimento da parte ao todo e à parte e ao todo e assim por diante, até se chegar a uma totalidade do objeto apreciado. Neste modelo, a não compreensão é apenas um momento temporário do processo de comunicação, a ser eliminado ou minimizado através deste círculo hermenêutico.

Contra esta posição se voltou não apenas o Pós-Estruturalismo francês, sobretudo a Deconstrução protagonizada pelo filósofo Jacques Derrida. Diferentes correntes teóricas atuais questionam a possibilidade de a comunicação eliminar mal-entendidos ou a própria incompreensão. Ao invés de tentar eliminar o "incômodo" daquilo que não foi compreendido, a idéia seria incorporá-lo como parte essencial do processo comunicativo e sobretudo da apreciação artística.

Do nome secreto ao signo enigmático

Ausstellung Elvis Presley in Deutschland Bonn Haus der Geschichte
Elvis Presley subindo no trem em Bremerhaven (Alemanha), 1958, rumo a Friedberg, onde ficou 18 meses estacionado como soldadoFoto: AP

O volume Kultur Nicht Verstehen (Não Comprender Cultura), organizado por diversos teóricos de língua alemã, compreende diferentes visões deste dilema entre comunicação e incompreensão. As contribuições abordam as questões mais diversas, desde as formas de lidar com a denomimnação de Deus na teologia medieval até a historiografia do fenômeno pop Elvis Presley, passando pela função do riso em O Nome da Rosa, de Umberto Eco, e pela linguagem corporal das artes marciais.

Eliminando qualquer dissociação entre uma "alta cultura" incompreensível e uma cultura de entretenimento acessível, esta publicação compreende uma grande diversidade de repertórios, do pop ao erudito, através da abordagem de uma questão que poderá vir a mudar a forma de apreciar e criticar arte.