Para britânicos, foi o fim do império e o início do Estado social
Winston Churchill anunciou ao seu país a capitulação da Alemanha num pronunciamento transmitido pelo rádio diretamente de seu escritório, em 8 de maio de 1945. A notícia do premiê, que havia governado o país nos terríveis anos da Segunda Guerra Mundial, entretanto, perdeu o brilho com a informação, passada pelo próprio Churchill, do prosseguimento dos combates contra o Japão.
Os britânicos, no entanto, aproveitaram para festejar. Grandes massas populares foram às ruas comemorar até a noite. O próprio premiê apareceu na sacada do Ministério da Saúde para falar à multidão eufórica. No dia seguinte, o verdadeiro significado do final da guerra começava a tomar forma.
A "boa guerra" alivia as perdas
As perdas dos britânicos durante os seis anos em que participaram da guerra foram descomunais: 270 mil soldados e 60 mil civis mortos, principalmente pelos bombardeios-relâmpagos dos nazistas. Mesmo assim, os prejuízos no país foram bem menores que os da Primeira Grande Guerra.
"Muitas pessoas internalizaram a idéia de uma 'boa guerra', o que facilitou muito a transição para os tempos de paz, já que a sensação de perda foi amenizada pela vitória", explica Richard Overy, professor de História na Universidade de Exeter e autor do livro Why the Allies Won: Explaining Victory in WWII (Por que os Aliados venceram: Explicando a vitória na Segunda Guerra Mundial).
"A vitória influenciou a memória da guerra. Exceto, talvez, o estratégico bombardeamento de Dresden, não foram feitas auto-análises sobre o papel da Grã-Bretanha no conflito", explicou.
O professor Paul Addison, diretor do Centro de Estudos da Segunda Guerra na Universidade de Edimburgo e autor de The Road to 1945 (A Rota para 1945), concorda com essa avaliação. Ele destaca um pronunciamento feito por Churchill na Casa dos Comuns em 1945, em que disse: "Somos um bando bem decente neste país". Para Addison, "isto resume a posição britânica em relação ao final da guerra".
O fim de um império
Enquanto a vitória fortalecia o orgulho nacional, e ingleses, escoceses e galeses encontravam uma identidade comum, não demorou para que a realidade os despertasse para o declínio do seu império. "A guerra expôs suas fraquezas. Foi um momento de triunfo e, depois, de declínio", explica Overy. Dois anos mais tarde, foi concedida a independência à India e, dez anos depois, a Grã-Bretanha se retiraria da África.
A guerra foi o golpe de misericórdia ao império britânico, embora isso na época não parecesse óbvio, acrescenta. O papel da Grã-Bretanha como potência mundial foi ofuscado pela crescente supremacia dos Estados Unidos e da União Soviética, assim como o início da Guerra Fria.
O nascimento da igualdade social
Não só fatores geopolíticos contribuíram para o fim do império: também a falta de apoio dos próprios britânicos. Os duros racionamentos e o sofrimento coletivo durante a guerra haviam despertado uma forte sensação de igualitarismo e renovado o compromisso com a igualdade social: cada um tinha direito à sua "cota justa".
Depois da guerra, a maioria do povo britânico queria ver esta eqüidade transformada numa nova política social, por exemplo, num novo sistema de saúde e de segurança social. Esta aspiração popular levaria Churchill à derrota nas urnas em julho de 1945, dois meses após o Dia da Vitória.
"Foram tempos radicais na Grã-Bretanha. Não aconteceu algo parecido nem antes, nem depois", observa Overy. Em conseqüência, os sistemas nacionais de saúde e de previdência social foram introduzidos no país em 1946 e, num período de dez anos, 20% das empresas passaram ao controle público.
Ceticismo permanente em relação à Europa
Para Addison, a guerra e suas conseqüências fortaleceram a tendência ao isolacionismo e o ceticismo britânicos em relação ao continente europeu. "Eles se orgulhavam de suas instituições quando as comparavam às instituições relativamente instáveis no continente. Isto gerou medo e fez com que se encarasse a Europa continental como uma ameaça", pondera o historiador.
Já os políticos britânicos reconheceram a necessidade de aproximação à União Européia e, nos anos seguintes, a Grã-Bretanha acabou se tornando um membro do bloco econômico − mesmo que relutante e desconfiado. Uma posição que, segundo muitos, não mudou até hoje.