Resultado da eleição "não vai mudar" relação entre Venezuela e Brasil
5 de outubro de 2012Às vésperas da eleição presidencial venezuelana deste domingo (07/10), pesquisas de opinião indicam um cenário confuso. Algumas empresas de sondagem apontam uma vantagem de até 20 pontos para o atual presidente, Hugo Chávez, outras dão empate técnico e há ainda aquelas que colocam o rival de Chávez, Henrique Capriles, na frente com uma estreita vantagem.
O especialista Peter Birle, do Instituto Ibero-Americano em Berlim, diz que a campanha atual é mais acirrada do que a de 2006, quando Chávez derrotou o então candidato Manuel Rosales por esmagadora maioria. Ele não arrisca um palpite sobre o resultado.
Para Birle, Capriles evitou travar um debate ideológico com o atual presidente e deu alguns sinais de continuísmo. "Capriles ressaltou que daria continuidade a alguns aspectos introduzidos por Chávez, como as missões, mas que livraria o modelo de seu componente ideológico", exemplifica, citando os projetos sociais chavistas.
"As missões devem continuar e ser melhoradas. Um programa social não deve só assistir, mas mudar a condição de vida da população", declarou Capriles em entrevista ao jornal O Globo em setembro.
O especialista em relações Brasil-Venezuela Thiago Gehre, da Universidade Federal de Roraima, afirma que, além de desmobilizar pontos estruturais do chamado projeto bolivariano de Chávez, Capriles mexeria na política monetária venezuelana. Gehre também aposta na liberalização comercial e na internacionalização da economia.
Quanto às relações com o Brasil – terceiro maior parceiro comercial da Venezuela, após os Estados Unidos e a China – Gehre diz que não haverá grandes mudanças caso a era Chávez chegue ao fim. Para o especialista, as mudanças se dariam principalmente em nível interno, o que afetaria as relações internacionais, mas não de maneira significativa as relações com o Brasil.
Relações com o Brasil
A parceria entre os dois países sul-americanos é uma construção histórica, mas foi no governo de Chávez que ela se intensificou. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso investiu na aproximação, ainda que de maneira comedida, com o objetivo de promover a interligação elétrica e evitar o isolamento do líder venezuelano na região.
O auge da aproximação se deu, porém, no período em que Lula e Chávez estavam no poder, a partir de 2003. "O Lula tinha uma orientação ideológica e intensificou as relações de maneira inédita", destaca Gehre. "Dilma é mais contida, mas quer manter o espaço conquistado para o empresariado, o comércio e os investimentos na Venezuela."
O próprio rival de Chávez afirmou que uma vitória nas eleições significaria excelentes relações com o país vizinho. "O Brasil é um grande fornecedor, mas não um grande investidor na Venezuela. Quero que as relações sejam mais equilibradas", disse ao Globo.
Gehre reconhece que o Brasil poderia ampliar os investimentos no país vizinho, mas destaca que essa tendência já vem se intensificando, com o empresariado brasileiro de olho em "grandes oportunidades e projetos" na Venezuela. Para promover a cooperação, um escritório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foi instalado em Caracas em 2010.
Graças ao petróleo, a Venezuela tem um poder de compra muito grande, ressalta Gehre, e o fluxo comercial com o Brasil é crescente. O Brasil exporta em grande quantidade para os venezuelanos e importa poucos produtos do país, na maioria derivados do petróleo.
Entrada no Mercosul
Em julho deste ano, a relação Brasil-Venezuela ganhou um novo aspecto com a entrada do país governado por Chávez no Mercosul. Desde o final dos anos 1990 o Brasil abraçava a causa da admissão da Venezuela – terceira maior economia da América do Sul.
O Paraguai, que se opunha à entrada venezuelana, foi suspenso do bloco após o impeachment do presidente Fernando Lugo, em junho deste ano. O momento foi aproveitado para agilizar o ingresso da Venezuela. Para Gehre, a entrada era inevitável e aconteceria mais cedo ou mais tarde. Entretanto, o novo membro não é um substituto para o Paraguai, peça-chave para o bloco na opinião do professor.
"A maneira como o Brasil praticamente colocou a Venezuela para dentro indica uma dívida política diante da flexibilização que permitiu aos interesses brasileiros avançar na Venezuela", considera. Em contrapartida, o Brasil espera que a Venezuela mantenha seu alinhamento político ao maior país sul-americano.
Birle prevê que o ingresso no Mercosul trará dificuldades do ponto de vista econômico para a Venezuela. "O país não tem nada além do petróleo para oferecer e é pouco competitivo com relação à Argentina e ao Brasil."
Já Gehre afirma não ser possível estimar o exato impacto econômico que o Mercosul terá sobre a Venezuela, mas prevê um fortalecimento do comércio intrabloco. "O que a Venezuela comprava de fora vai passar a comprar dentro do bloco."
Para os membros fundadores do Mercosul – Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai – a admissão venezuelana significa ainda um aumento do potencial econômico e um fortalecimento do grupo, "que sempre foi um empreendimento argentino-brasileiro", completa Birle.
Além disso, o ingresso no bloco poderá ser levantado como bandeira por Chávez, inclusive nesta campanha eleitoral, considera Gehre. Mas significa também que o governante terá de se adequar às regras. "Chávez não tem mais as mãos livres para agir como quiser com os países vizinhos", diz o especialista, citando a própria suspensão paraguaia por ruptura da ordem democrática como exemplo. O mesmo vale para Capriles, completa.
EUA e petróleo
Outro aspecto crucial da política externa venezuelana são as complexas relações com os EUA. O país norte-americano é o principal importador do petróleo da Venezuela, que, por sua vez, está entre os principais fornecedores da matéria-prima aos EUA.
Nos últimos anos do governo do ex-presidente George W. Bush, EUA e Venezuela travaram embates retóricos. "Depois os EUA decidiram agir de forma mais moderada – uma estratégia inteligente diante da dependência econômica mútua", considera Birle.
Segundo Gehre, a relação entre EUA e Venezuela é complexa no nível do discurso. "O ataque ao autoritarismo, o bolivarianismo e as práticas nacionalistas de Chávez faz parte da retórica de um país que defende os preceitos liberais, como os EUA." Do ponto de vista prático, as relações são simples, afirma. "A Venezuela tem empresas, postos de gasolina e refinarias nos EUA, e, para os americanos, é muito mais fácil trazer o petróleo da Venezuela do que do Oriente Médio", diz.
Justamente por causa dessa dependência, Birle não prevê mudanças nas relações com os EUA após a eleição.
Na avaliação de Gehre, do ponto de vista brasileiro o melhor cenário para uma relação trilateral com EUA e Venezuela seria aquele em que Barack Obama e Capriles estivessem no poder. "Se Mitt Romney for eleito e Chávez, reeleito as tensões entre os dois países e na região voltarão a um patamar anterior, pois os republicanos têm aversão a projetos alternativos, como o bolivariano."
Segundo Birle, há quem suponha que, se eleito para mais um mandato de seis anos, Chávez aprofundaria sua revolução bolivariana, estatizando mais áreas da economia e caminhando mais em direção a um modelo cubano. "Mas isso é tudo especulação", ressalva.
Autora: Luisa Frey
Revisão: Alexandre Schossler