Para onde vai a América Latina?
5 de junho de 2006Vários jornais alemães anunciaram os resultados das eleições no Peru com a manchete – "dos males, o menor". Na mídia peruana, a escolha entre os candidatos Alan García e Ollante Humala foi vista como uma opção "entre a cruz e a caldeira".
Para os europeus, o pleito mostrou principalmente uma coisa: a guinada da América Latina para o que vem sendo chamado de "centro-esquerda", em oposição ao "populismo esquerdista" do presidente venezuelano Hugo Chávez.
"Manicômio América Latina"
Sob o olhar da mídia européia, o "Kennedy da América Latina", como García foi chamado quando assumiu o governo do país em 1985, aos 36 anos, é bem-vindo principalmente por enfraquecer Chávez.
E por selar um fim ao que o site da emissora de televisão ARD chegou a chamar de "manicômio América Latina", em referência às posturas polêmicas adotadas por Evo Morales .
Se os europeus detectavam até há pouco uma "guinada para a esquerda" em todo o continente, hoje os analistas dividem os governos latino-americanos entre "moderados" (Lula e a presidente chilena Michelle Bachelet) e "populistas de esquerda" (Chávez e Morales).
"García simboliza hoje a esquerda moderada da América do Sul, aquela dos presidentes brasileiro e argentino, Luiz Inacio Lula da Silva e Nestor Kirchner, que apostam na economia de mercado", comenta o diário berlinense Der Tagesspiegel.
Joio e trigo
O que antes era visto pela mídia européia como uma tendência geral para a esquerda na América Latina, é hoje separado entre "joio" e "trigo". "Com a vitória de García, as forças nacionalistas de esquerda no continente foram, pelo menos por enquanto, freadas. Uma vitória de Humala teria, após a vitória nas urnas de Evo Morales na Bolívia, fornecido a Chávez, o precursor do movimento, mais um parceiro importante na região", observa o semanário Der Spiegel.
O especialista espanhol Manuel Alcántara Sáez analisa em entrevista à DW-WORLD que a eleição de García é vista como "o início de uma fase de equilíbrio. A derrota de Humala faz com que se rompa uma polarização entre Chávez, Castro e Morales, que poderia trazer resultados extremamente perigosos".
A perspectiva de um "cartel do combustível", por exemplo, formado por Venezuela-Peru-Bolívia (que inclusive isolaria a Colômbia, parceira fiel do governo de George Bush), está, acreditam especialistas europeus, fora de perigo diante da vitória de García.
Elites e criminalidade
Mesmo sem Humala e com García, os ventos políticos do continente não sopram na mesma direção. Quem se aproveita de tais divergências políticas, acredita o semanário Die Zeit, são "os chefes do tráfico e da máfia – aqueles bandos de criminosos jovens que surgem da pobreza infinda da Caracas de 'esquerda' e do Estado de 'direita' do narcotráfico que é a Colômbia, da Cidade do México e de São Paulo. Eles são fruto de uma pobreza que não vai ser vencida por nenhum crescimento econômico e nenhuma palavra de ordem neoliberal em prol de um Estado menos presente. Pelo menos enquanto as pequenas classes altas destes países continuarem a sugar toda a riqueza para si".
Terras em transe
Aos olhos da imprensa européia, a América Latina passa por um momento histórico sensível, em que a esquerda de ontem acerta os ponteiros e faz as pazes com a política econômica neoliberal. O que diria o falecido cineasta brasileiro Glauber Rocha, se visse que a ciranda dos personagens de seu Terra em Transe (1967), com suas imagens alegóricas que remetem à formação do continente latino-americano, continuam mais atuais que nunca.
O delírio pelo poder do intelectual engajado de esquerda, as estruturas conservadoras arraigadas, o populismo disseminando-se através de discursos nacionalistas. E o povo espremido entre interesses de dentro e de fora do Eldorado. Terras que continuam em transe. E como.