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Partidos menores podem quebrar polarização nos EUA

Milan Gagnon (fc)3 de junho de 2016

A ascensão de candidatos impopulares dos dois principais partidos nas primárias dos EUA permite a legendas menos conhecidas, como o Partido Libertário, estarem mais otimistas na corrida pela Casa Branca.

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Candidatos Hillary Clinton e Donald Trump
Hillary e Trump venceram as primárias de seus partidos, mas não ganharam simpatiasFoto: Getty Images/AFP/M. Ngan

Disputando a presidência dos Estados Unidos pela 12ª vez desde 1971, o Partido Libertário indicou o ex-governador do Novo México Gary Johnson como seu candidato. Desde que, por critérios matemáticos, os partidos Republicano e Democrata indicaram Donald Trump e Hillary Clinton para concorrer à Casa Branca – ambos pouco queridos pelo eleitorado americano –, os libertários acreditam que 2016 poderá ser finalmente o seu ano.

A legenda formada por capitalistas neoliberais, a favor da descriminalização das drogas e de uma política externa não intervencionista, poderia conquistar para si os republicanos e democratas descontentes com o duopólio partidário nos EUA e a resultante falta de diversidade ideológica.

"Eu serei o único candidato de um terceiro partido na cédula em todos os 50 estados", comentou Johnson ao aceitar sua nomeação em segunda votação. "Sou isso."

Pingue-pongue entre dois gigantes

A Casa Branca tem mudado de mãos entre os dois principais grupos políticos desde a fundação do Partido Republicano, em 1854. Dos 535 legisladores do Congresso dos EUA, apenas dois são independentes – sendo que um deles, o senador Bernie Sanders, do estado de Vermont, concorre pelos democratas nas primárias para a presidência.

Por outro lado, Trump não era exatamente republicano antes de ser indicado pelo partido para a disputa deste ano. Ele venceu duas primárias pelo Partido Reformista em 2000, e antes disso constava como membro e importante doador dos democratas.

As peculiares candidaturas de Sanders e Trump não teriam sido possíveis se ambos tivessem tentado ficar fora do sistema. No entanto é assim mesmo que o sistema funciona: americanos partidários fervorosos, por exemplo, da proteção ambiental, veem-se muitas vezes forçados a votar em democratas progressistas, a fim de evitar o que, temem, seria um assalto republicano em massa contra o ecossistema.

Por outro lado, eleitores que simplesmente defendem um sistema de tributação linear confiarão seus destinos a republicanos antitransgêneros e que almejam o fim dos direitos reprodutivos e pena de prisão obrigatória para criminosos não violentos.

Candidato do Partido Libertário, Gary Johnson
Gary Johnson aceitou indicação do Partido Libertário e vai disputar a Casa BrancaFoto: Reuters/K. Kolczynski

Receio de um terceiro partido

Muito disso tem a ver com o Colégio Eleitoral, um complicado sistema proporcional que altera o peso do voto presidencial em cada estado, fazendo da eleição nacional um assunto local, além de desencorajar os votos de protesto em disputas apertadas.

Em 2000, por exemplo, o candidato do Partido Verde e paladino dos consumidores Ralph Nader contou com modesto apoio esquerdista em âmbito nacional. No entanto, os eleitores que poderiam simpatizar com seus apelos por um sistema de saúde universal e melhor gestão ambiental, foram desencorajados de apoiá-lo nos estados onde a disputa entre republicanos e democratas estava apertada. Caso contrário, arruinariam as chances do candidato democrata indicado, o vice-presidente Al Gore.

Não foi culpa de Nader Gore ter perdido naquele ano, mas mesmo assim o concorrente verde foi responsabilizado por ajudar George W. Bush a chegar à presidência. E os subsequentes oito anos de domínio do herdeiro republicano desencorajaram muitos eleitores progressistas, desde então, de apoiar candidatos fora do Partido Democrata.

"Juntos, o sistema eleitoral americano, tipo 'o vencedor leva tudo', e o Colégio Eleitoral tornam muito difícil a entrada de novos partidos no cenário político", confirma Torben Lütjen, do Instituto de Pesquisa sobre a Democracia, em Göttingen.

"Com certeza há um grande número de apoiadores de Sanders que adorariam votar nele em vez de em Hillary Clinton, numa eleição geral. No entanto eles seguramente vão pensar duas vezes, já que apoiar um candidato de um terceiro partido pode ser um desperdício de voto, essencialmente ajudando a eleger um republicano para a Casa Branca."

Para além do vermelho, azul e roxo

O candidato de um terceiro partido que obteve mais êxito recentemente foi o bilionário texano Ross Perot, defensor de uma política comercial protecionista. Em 1992, ele alcançou 19% do voto popular, arrebanhando eleitores tanto do então presidente, George Bush pai, como do concorrente democrata e vencedor Bill Clinton.

Desse modo, Perot tornou-se o candidato mais bem sucedido fora do mainstream desde 1912 – quando Teddy Roosevelt fundou o Partido Progressista para se vingar dos republicanos. Mesmo sem conseguir a presidência, ele impediu a eleição do candidato de seu antigo partido naquele ano.

O bilionário Perot concorreu novamente em 1996, quanto tentou desestabilizar Clinton ao criar o Partido Reformista. Dessa vez, porém, republicanos e democratas estavam mais espertos, e o jogaram para escanteio nos debates. Dois anos depois, os reformistas atingiram seu ápice ao colocar no governo de Minnesota o lutador profissional, ator e teórico da conspiração Jesse "The Body" Ventura, que no entanto abandonou o partido após um ano de mandato.

Os estados americanos costumam ser descritos como "vermelho" (republicano) ou "azul" (democrata). Os mais difíceis de se prever são denominados "roxos", só se definindo no dia da eleição. Entretanto há também o Partido Verde e o esquerdista Partido dos Trabalhadores do Mundo; o Partido Socialista dos Trabalhadores e o Partido Socialista da Igualdade.

A direita conta com o Partido Libertário, favorável ao livre mercado, o protecionista Partido Reformista e o religioso Partido Americano Independente. Ideologias tão marcadas assim certamente mereceriam suas próprias cores no arco-íris político americano.

Contudo parte do problema é que os dois maiores partidos se transformaram em marcas de produto: cultos à personalidade financiados por empresas privadas, em que as ideologias são moldadas para se adaptar às dos maiores doadores, mas também para satisfazer as necessidades (percebidas) dos eleitores – tratados, em muitos casos, como consumidores.

Candidato democrata Bernie Sanders
Bermie Sanders inspira muitos democratas a procurar alternativas para HillaryFoto: Getty Images/AFP/R. Kerr

EUA e Alemanha: sistemas democráticos distintos

O editor-chefe do Anuário do Conselho Alemão de Relações Exteriores Josef Braml descreve à DW: "Nos Estados Unidos a política não é – como costuma ocorrer num sistema de governo parlamentarista – formulada e orientada pelos partidos, mas sim negociada através de redes de interesses, nas quais, unidos por uma visão semelhante, conselheiros políticos, gestores de campanha, lobistas, políticos, elites administrativas e jornalistas trabalham em conjunto para tentar fazer avançar suas ideias e interesses."

"Os partidos americanos têm poucos meios de penalizar seus representantes e senadores ou discipliná-los para impor agendas políticas", prossegue Braml. "Ao contrário da Alemanha, as legendas americanas não têm poder de autoridade no processo legislativo. Excetuada a função eleitoral, seu papel é menor nos EUA."

Isso proporciona a políticos isolados uma influência desproporcional em muitas questões que seus eleitores apoiam, mas seus partidos, não. Já na Alemanha, os políticos são basicamente forçados a remar o barco do partido, se quiserem ter qualquer tipo de influência.

Os americanos podem ter pouca escolha em termos de partidos, mas é muito mais fácil destituir nas urnas um deputado de que não se goste. Na Alemanha, os políticos podem permanecer no cargo por décadas apenas por constarem da lista partidária, independente do número de votos que angariem nas eleições.

Uma posição no topo da lista garante o assento no Parlamento, mesmo que o deputado perca sua circunscrição para outro candidato. Essencialmente, o sistema recompensa a fidelidade partidária, acima da defesa dos interesses de quem elegeu o representante.

O eleitor americano é quem decide – se quiser

Apesar dessas características de seu sistema democrático, os eleitores americanos tendem a permanecer estrategicamente leais a partidos com os quais pouco têm em comum – preferindo jogar na defesa a tomar iniciativa em prol candidatos que professem crenças mais semelhantes às próprias.

Isso, por si só, já seria um bom motivo para que se expandisse o sistema americano, permitindo múltiplos partidos com plataformas diferenciadas – em vez de tentar aglutinar dezenas de ideologias conflitantes sob duas barracas caoticamente grandes.

"Na Alemanha, é mais fácil representar os eleitores no Parlamento, e na maioria dos casos temos governos de coalizão", afirma o especialista em democracia Lütjen. "Isso torna mais racional apoiar um partido pequeno, que ainda poderá formar coalizão com uma legenda maior: o voto do eleitor não é perdido."

Um sistema assim poderia até agradar também aos americanos – e teoricamente são os próprios eleitores que decidem. Até o momento, entretanto, eles estão aparentemente votando contra essa alternativa.