Pasolini e Roma, uma longa e conturbada história de amor
17 de setembro de 2014Pier Paolo Pasolini chegou à estação central de Roma com a mãe em 28 de janeiro de 1950. Aos 28 anos, ele já havia sido banido das escolas públicas – onde havia atuado como professor – e do Partido Comunista – por comportamento obsceno com adolescentes em Ramuscello, vila natal de sua mãe, no norte da Itália.
Depois de um período vivendo no centro da capital italiana, a família se mudou para o subúrbio. Desonra, desemprego e pobreza foram as palavras utilizadas por Pasolini para descrever esse período de sua vida. Ao mesmo tempo, a situação fez com que ele descobrisse com entusiasmo como Roma "é divina".
Essa faísca que marcou a vida e a carreira do cineasta é o mote da exposição Pasolini Roma, em cartaz em Berlim. Dividida em seis seções cronológicas, correspondentes a seis fases da vida, a mostra cria – usando imagens, vídeos, pinturas e objetos – um retrato da importância da obra do italiano entre 28 de janeiro de 1950 e 2 de novembro de 1975, data em que seu corpo foi encontrado.
"Contamos uma história cronológica, não só de Pasolini e sua carreira, mas também de Roma, da Itália e de toda uma geração europeia. A voz não é a dos curadores – o diferencial e o sublime dessa exposição é que eles conseguiram dar voz ao próprio Pasolini", diz Gereon Sievernich, diretor do Martin-Gropius-Bau, que abriga a exposição.
Intelectual de uma geração
A pobreza e a decadência, acompanhadas de uma vitalidade exasperante e contagiante, são características centrais da obra de Pasolini. Em Roma, ele evoca suas visões de poesia política, da vida na cidade grande, de sexo, amizade e cinema. São características que não só marcaram sua obra, mas, de certa maneira, se tornaram seu legado.
Pasolini foi um dos mais ambivalentes e controversos artistas e intelectuais europeus do pós-Guerra. Mais conhecido por seus polêmicos filmes, ele também foi um prolífico autor de romances, poesia, teatro e ensaios. Como jornalista, escreveu com eloquência sobre cultura e política.
"Ele foi um dos últimos grandes intelectuais europeus. Ele era muito moderno em seu pensamento: Pasolini viu para onde a Itália estava caminhando. Essa exposição é o ponto alto de uma viagem que começou há décadas, em uma sala de cinema", afirma Alan Bergala, um dos curadores da exposição.
A mostra também revela uma faceta pouco conhecida do italiano. Como pintor e artista gráfico, ele buscou explorar temas clássicos e atemporais, como fé, vida rural, religião, sexualidade e morte. Essas obras, contextualizadas com o restante de seu trabalho e com sua vida pessoal, afastam o lugar comum e apresentam uma visão clara e cheia de força de uma das figuras mais provocativas que a sociedade italiana já conheceu.
Para Roma, com amor
Pasolini Roma não é apenas uma viagem pela obra de Pasolini, mas um olhar singular sobre o artista – olhar que leva a plateia por um inusitado passeio pela capital italiana e pela história do cinema.
Para o diretor, Roma não era apenas uma locação, um pano de fundo para um mundo cheio de questionamentos e sexualidade. A presença da cidade em seus filmes é física, sensual e passional. Com Roma, o artista manteve uma longa e conturbada história de amor, com todas as suas decepções. Uma trajetória de amor e ódio, alternando atração, rejeição e estagnação. A cidade era como uma plataforma para observar a sociedade italiana, um campo de eterno estudo e constante luta.
"A exposição busca acompanhar o ritmo do trabalho de Pasolini e criar uma relação quase íntima entre a plateia e o próprio Pasolini. Mesmo havendo muito pessimismo na sua escrita e no seu olhar sobre a cidade, ele também foi muito solidário ao retratar o povo de Roma. Pasolini além do cinema é um verdadeiro intelectual e pensador", disse o curador Jordi Balló na abertura de Pasolini Roma em Berlim.
Morte no ápice
Mas o trabalho como cineasta é a espinha dorsal da exposição e também uma maneira de tentar compreender como Pasolini colocou toda sua essência – de artista, escritor, filho, professor e ser extremamente sexual – nessas histórias de horror e paixão, medo e soberba, questionamento e espiritualidade.
Entre o seu filme de estreia, Accattone - Desajuste Social, de 1961, e sua violenta morte em 1975, ele realizou cerca de 20 filmes, entre documentários e ficção, longas e curtas, utilizando os diferentes formatos e as diferentes possibilidades oferecidas pelo cinema. Esses filmes podem ser visto na retrospectiva Pier Paolo Pasolini, que acontece paralelamente à Pasolini Roma.
Seus personagens sempre viviam às margens da sociedade. Seus temas eram universais, mas com uma abordagem muito específica – ele tratou de morte e sexualidade, catolicismo e marxismo, sempre explorando o lado filosófico, político e social.
Pasolini revisitou mitos gregos em O Evangelho Segundo São Mateus, Édipo Rei e Medeia, este estrelado por Maria Callas. Para muitos, o ápice da carreira foi o último filme, o provocativo, escandaloso e sombrio Saló, ou os 120 dias de Sodoma. Baseado no livro do Marquês de Sade, o filme mostra um grupo de jovens que sofre uma série de torturas físicas, mentais e sexuais pelos fascistas em 1944. Entre o terror e o poético, entre sangue e fezes, a despedida de Pasolini é tida como o clímax de sua obra.
Para Jordi Balló, Pasolini foi "assassinado no ponto alto de sua carreira". O crime violento ainda é um mistério. Ele foi encontrado com o rosto desfigurado e várias lesões pelo corpo. O processo judicial concluiu que Pasolini foi assassinado por um garoto de programa. Mas, em 2005, este declarou que não assassinou Pasolini, depois de ter confessado e cumprido a pena. Há especulações que o crime pode ter sido político.
A obra de Pasolini denunciava – e ainda denuncia – o lado negro do ser humano e da sociedade, mas também celebra o lado mais sublime de estar vivo.
Pasolini Roma está em cartaz no Martin-Gropius-Bau até 5 de janeiro de 2015. A retrospectiva Pier Paolo Pasolini acontece até 17 de outubro no Arsenal – Institut für Film und Videokunst, em Berlim.