Pequenas e grandes lembranças do holocausto
13 de junho de 2004Estacas de metal enferrujadas, poças de água de chuva e barracas de madeira podre. Ali, no lugar em que ficava no passado a central da Gestapo e onde foi planejado o extermínio dos judeus, hoje circulam às vezes até galinhas pelas ruínas de uma obra abandonada bem no centro de Berlim, entre o Portão de Brandemburgo e a edificação nobre do Martin-Gropius-Bau.
A priori, havia a proposta de que elas deveriam se transformar no mais imponente monumento histórico da Europa em homenagem aos judeus mortos no holocausto da Segunda Guerra.
O rosto do horror e o espaço da memória
Neste local, o arquiteto suíço Peter Zumthor pretendia dar ao rosto cinza do holocausto um espaço destinado à memória, edificado a partir de detalhadas colunas brancas. No entanto, o projeto Topografia do Terror acabou se transformando em um fiasco histórico-político.
Duas empreiteiras foram à falência, infindáveis debates sobre a complexa edificação acabaram em pizza e ao fim de dez anos de discussão, o Estado e a federação assumiram o veredicto: o projeto de Zumthor foi tido como muito arriscado e, por isso, não realizável.
O arquiteto teve que seguir seu caminho e foi feita aberta uma nova concorrência pública para a realização do projeto. Os 15 milhões de euros que já havia sido dispendidos até então acabaram enterrados no que se costumou chamar de "pântano berlinense".
Lembrança em trítono
A idéia inicial embutida no projeto propunha uma "tríade da lembrança": o Museu Judaico de Daniel Libeskind, o Memorial do Holocausto de Peter Eisenman e o novo museu de Zumthor deveriam fazer da capital alemã um ponto central na discussão sobre os traumas do passado. A característica comum entre os três projetos? A intenção de jogar história sobre o concreto, de forma monumental e como espetáculo de mídia.
"Acredita-se que seja possível, através de monumentos enormes, poder reagir de forma correspondente à amplitude da culpa", acredita o psicólogo Gerald Echterhoff, que trabalha há anos pesquisando sobre a cultura da lembrança na Alemanha.
Segundo ele, um monumentalismo carregado de símbolos pode impor, mas na maioria das vezes acaba sendo redundante ou se tornando anônimo. "Uma elaboração do trauma da shoa (termo em hebraico destinado a designar o holocausto) só é possível através da emoção e esta nem sempre pode ser garantida por meio de obras arquitetônicas abstratas. Esses monumentos esbarram nos destinos individuais. Ao invés do gigantismo, deveria-se começar com pequenas coisas", observa Echterhoff.
Tropeçando sobre o passado
O responsável por um desses "pequenos" projetos é Gunter Demnig, um artista gráfico que criou em Colônia desde 1990 mais de 1200 "pontos de memória". Trata-se de placas de 10 x 12 cm, espalhadas pela cidade, onde estão gravados o nome e, quando passível de reconstrução, dados sobre diversas vítimas do nazismo. "Aqui viviam Elsa e Max Reichhardt – assassinados em Auschwitz no ano de 1941" é um dos exemplos.
Não são lápides tumulares, sobre as quais não se pode pisar, mas sim placas sobre as quais corre-se o risco de tropeçar, parar para ver e, acima de tudo, para lembrar. "Quanto mais as pessoas caminham sobre essas placas, mais polidas elas se tornam e mais fácil se torna a leitura do texto aí gravado", explica Gunter Demnig.
Em Colônia, estes pontos da lembrança são encontrados por todos os lados – em frente a supermercados, edifícios de apartamentos ou parques infantis. Discretos, porém inevitáveis, eles estão encaixados nas calçadas da cidade, enquanto recorrem o passado em tom baixo e não estrondoso como as edificações monumentais.
Pequena história bem sucedida
Enquanto os enormes projetos arquitetônicos em Berlim estiveram emperrados anos a fio ou só puderam ser realizados lentamente, em função de problemas financeiros e montes de burocracia, as "placas do tropeço" mostraram-se como uma pequena história de sucesso.
Hoje, o registro histórico de Demnig ultrapassa em muito as fronteiras de Colônia. Financiado através de diversos patrocínios e em parte pelo próprio artista, o projeto, ao contrário do Memorial do Holocausto em Berlim, tem ótima ressonância tanto entre a comunidade judaica quanto entre a população em geral.
O artista, hoje com 57 anos, continua saindo Alemanha afora com seu furgão vermelho. Suas "placas do tropeço" estão hoje espalhadas por várias cidades, entre elas Hamburgo, Düsseldorf e Freiburg. Demnig já foi sondado a respeito do projeto até mesmo por interessados de Amsterdã e Paris.
"Não se deve banir a lembrança da shoa do dia-a-dia, nem permiti-la somente em formas rituais ou em determinados locais. Ela precisa ser sentida. Pessoalmente e em todo lugar", completa o artista, enquanto grava o próximo nome em mais uma de suas "placas do tropeço".