Perfis pró-Rússia usam "spoofing" para espalhar fake news
6 de julho de 2022"Parece uma reportagem da DW", comenta um usuário do Twitter em japonês sobre uma suposta reportagem em vídeo da DW sobre um suposto refugiado ucraniano chamado Petro Savchenko que teria estuprado mulheres na Alemanha. O usuário do Twitter ainda escreve: "Quero ver o vídeo original. Por favor, compartilhe comigo a URL do vídeo original." O usuário parece duvidar da origem do vídeo – e com razão. O vídeo não é uma produção DW. É uma farsa.
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, vídeos falsos, reportagens forjadas e tuites que fingem ser da BBC, CNN e outros grandes veículos de comunicação passaram a inundar as plataformas de mídia social – alguns até se tornaram virais. O principal objetivo parece ser espalhar fake news, auxiliando na campanha de desinformação executada pelo Kremlin. Um objetivo secundário parece ser desacreditar grandes meios de comunicação do Ocidente.
O caso de um vídeo falso com propaganda anti-ucraniana
Uma conta japonesa no Twitter que aborda a guerra na Ucrânia compartilhou recentemente um vídeo relatando a história de um suposto criminoso fugitivo da Ucrânia.
O vídeo que pretende se passar por uma publicação da DW fala sobre um certo Petro Savchenko, que teria sido preso pela polícia na Alemanha. De acordo com o vídeo, Savchenko vinha chantageando mulheres há meses, ameaçando vazar imagens íntimas que ele teria gravado secretamente com uma câmera escondida depois de conhecê-las em bares. O vídeo afirma que ele foi preso e que estava enfrentando acusações formais e até mesmo risco de prisão.
O vídeo, que foi visualizado apenas 1.000 vezes, parece genuíno à primeira vista, dando a impressão de ser um vídeo autêntico da DW. Mas, na verdade, a publicação não segue o guia de estilo da DW e tem diferenças mínimas, mas perceptíveis no design em relação a uma produção original da DW: a fonte usada não é a mesma e também há pontos finais no final das frases, que não estão de acordo com o guia de estilo da DW.
Além disso, o nome Petro Savchenko não leva a nenhum resultado em mecanismos de busca na internet. Nenhum grande veículo de mídia noticiou o suposto criminoso – nem em alemão, nem em inglês ou ucraniano, algo bastante improvável em um caso desses. Não há nenhuma evidência de que tal episódio tenha ocorrido na Alemanha, mesmo com um refugiado com um nome diferente. Além disso, o vídeo não fornece nenhuma informação sobre onde e quando os atos teriam ocorrido.
Pesquisas posteriores levantam ainda mais inconsistências: uma pesquisa reversa da foto usada do suposto autor dos crimes leva a um perfil no site russo TopDB.ru, que, de acordo com os dados disponíveis, pertence a um certo Pavel Poperechnyy. Ele é de Sebastopol e de acordo com seus outros perfis em redes sociais não mora na Alemanha. As acusações feitas no vídeo são todas infundadas e provavelmente são abordas propositalmente de forma vaga – uma tática que já foi usada anteriormente pelos russos na divulgação de outras notícias falsas para dificultar checagens.
O vídeo falso da BBC sobre ataque com mísseis em Kramatorsk
Um vídeo falsamente atribuído à BBC, por sua vez, alcançou significativamente mais pessoas em comparação com o vídeo falsificado indicado como sendo da DW: após um ataque com mísseis à estação de trem de Kramatorsk, que provocou baixas civis, passou a circular nas redes um vídeo que obteve um total de meio milhão de visualizações, após ser publicado repetidamente.
Compartilhado em vários perfis pró-russos, o vídeo mostra cadáveres em Kramatorsk e um texto que afirma falsamente que o míssil foi lançado pelas tropas ucranianas contra sua própria população. A BBC imediatamente se manifestou, denunciando o vídeo como "falso". O produtor da BBC Joe Inwood, que cobriu o ataque para a rede pública britânica, confirmou que o vídeo não era genuíno. Mas a publicação exibia a marca da BBC, levantando temores de que mais falsificações possam estar sendo produzidas.
Um perfil ucraniano do Twitter, que classificou o vídeo como "falso", arquivou o material.
O vídeo, que à primeira vista parece autêntico, espalhou-se rapidamente. Nas primeiras horas que se seguiram à publicação, checadores do site alemão BR 24 já haviam encontrado versões do vídeo em alemão, inglês, italiano, espanhol, catalão, indiano e francês.
O especialista em ciberguerra Sandro Gaycken disse ao BR 24 que se tratava de uma "operação orquestrada, mas apressada" de desinformação. Roman Osadchuk, especialista do think tank Atlantic Council, também abordou o episódio em entrevista à DW. "No caso de Kramatorsk, foi lançada uma enorme campanha [de desinformação]. Não foi só este vídeo. O vídeo foi apenas uma pequena parte de toda uma campanha que tentou convencer as pessoas de que a Ucrânia estaria bombardeando seu próprio povo, o que é um absurdo, para ser honesto." Segundo Osadchuk, o vídeo foi lançado na internet acompanhado por inúmeras postagens no Telegram e em outras plataformas.
Tuites falsos atribuídos à CNN causam confusão
Quando tuites da CNN são compartilhados, isso sugere um alto nível de credibilidade. Mas nem tudo o que parece à primeira vista como material produzido pela rede americana é genuíno. Vários tuites falsamentes atribuídos ou até contas falsas que tentam se passar pela CNN pipocaram desde o início da guerra na Ucrânia, forçando a CNN a se manifestar. Em um dos casos, um perfil chamado "@CNNUKR", que tentava se passar pela CNN no Twitter, relatou a suposta morte de um americano na guerra da Ucrânia. Era uma história falsa. Algo semelhante aconteceu com um tuite mentiroso sobre um suposto bombardeio a um hotel na Ucrânia.
E capturas de tela de transmissões ao vivo da CNN também são manipuladas para passar informações falsas. Uma publicação, por exemplo, queria tentar convencer que a CNN havia divulgado falsamente imagens de uma explosão de 2015 como sendo do atual conflito no leste europeu. Uma checagem de fatos da AFP desmentiu a mensagem mentirosa.
Táticas manjadas
Esse tipo de fake news não é novidade. Nos últimos anos, várias notícias falsas foram atribuídas à mídia tradicional. Um caso foi particularmente dramático: em um vídeo, um apresentador num estúdio semelhante ao da BBC News relatou um incidente militar entre a Rússia e a Otan e a explosão de uma bomba nuclear em Bruxelas. O vídeo é puramente fictício e não foi produzido pela BBC – ainda assim ele continua sendo compartilhado, como informa a Reuters.
Quem está por trás dessas táticas de desinformação?
A trilha para achar os verdadeiros autores dos vídeos, imagens ou tuites falsos nem sempre é fácil de seguir. No entanto, especialistas veem indicações que apontam na direção da Rússia. Josephine Lukito, professora da Escola de Jornalismo e Mídia da Universidade do Texas em Austin, vê estruturas profissionais por trás das produções falsas. Grande parte da desinformação pró-russa pode ser atribuída à Agência de Pesquisa da Internet (IRA), uma fábrica de trolls russa ativa desde 2012. A IRA ficou conhecida por tentar influenciar a campanha presidencial dos EUA em 2016, e várias reportagens falsas atribuídas à agência foram também divulgadas na Ucrânia a partir de 2014.
"Normalmente, o objetivo de longo prazo das campanhas de desinformação ligadas à Rússia é gerar desconfiança em relação à mídia em geral. A desinformação digital patrocinada pelo Estado, como a que estamos vendo no caso da guerra da Ucrânia, muitas vezes tenta explorar o status das organizações de mídia", explica Lukito.
Ingo Mannteufel, chefe de segurança cibernética da DW, enfatiza: "Muitas vezes, atores estatais ou patrocinados pelo Estado estão por trás dessas elaboradas produções de desinformação". No caso específico envolvendo a DW, os criadores do vídeo falso tentaram usar o design da DW no vídeo "para dar credibilidade à desinformação e influenciar a opinião no espaço japonês do Twitter seguindo a propaganda do Kremlin". Esse é o fenômeno de desinformação é conhecido como spoofing, no qual uma identidade digital é falsificada para tentar passar confiança e credibilidade.
Como os falsificadores de vídeo operam?
Como regra, as falsificações de mídia são baseadas em uma réplica do design do veículo que se tenta emular. Os especialistas do think tank Atlantic Council também chegaram a essa conclusão. No caso do vídeo falso que tentava se passar por material da BBC, o logotipo, as inserções e o estilo da rede britânica foram copiados e colados para dar a aparência de um vídeo real da BBC, de acordo com a pesquisadora Eto Buziashvili. "Basicamente, eles pegaram o estilo da BBC, como a identidade visual meio que contando as histórias, basicamente tudo". Tal réplica não é muito difícil de ser criada, segundo Buziashvili, mas requer conhecimento de edição de vídeos e programas.
Quão bem-sucedido é o conteúdo impostor?
Scott Radnitz, professor de Estudos Russos e Eurasianos da Universidade de Washington, diz que é difícil apontar se esse tipo de conteúdo falso é suficiente para influenciar significativamente a opinião pública. "Dado que a maioria das pessoas já tem opiniões fortes sobre a guerra, de uma forma ou de outra, é mais provável que consumam notícias consistentes com seus pontos de vista e duvidem instintivamente de afirmações e imagens conflitantes." Portanto, segundo ele, a "guerra de informação" pode ser mais bem compreendida como performances para o consumo de públicos distintos.
Radnitz continua: "de certa forma, ter uma marca apropriada para mascarar propaganda ou desinformação deve ser considerado uma honra, pois o nome (BBC, CNN, DW, etc.) só será usado se for visto como representando credibilidade".