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Persépolis

Soraia Vilela26 de novembro de 2007

A animação da novela gráfica "Persépolis", de autoria da iraniana Marjane Satrapi, é celebrada na Alemanha após estréia nos cinemas do país.

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Autobiografia em quadrinhos chega às telas em filme de animaçãoFoto: 2007 PROKINO Filmverleih GmbH

Para boa parte da mídia internacional, Marjane Satrapi acaba de inaugurar um gênero cinematográfico: a "autobiografia animada". A artista gráfica transformou sua própria história em quatro volumes de HQs, agora adaptados por ela e por Vincent Paronnaud para as telas do cinema num filme de animação. Uma obra documental, porém, Persépolis não é.

"O filme não é um depoimento autobiográfico, nem psicológico, nem tampouco político. Não se trata de um documentário. A realidade, em si, não me interessa, mas sim as impressões que ela deixa. É daí que surge minha história", diz Satrapi em entrevista ao semanário alemão Die Zeit.

"Punk is not dead"

Scan aus Persepolis, Comic von Marjane Satrapi
Cena da HQ 'Persépolis', lançada na França em 2001

Persépolis narra a história do Irã nas décadas de 1970-80 a partir de uma perspectiva estritamente pessoal. A protagonista (que tem vários anos de sua vida retratados em flash back no filme e cujo nome é o mesmo da autora) é filha de pais ricos, liberais e ocidentalizados.

Ainda criança, ouve com atenção os comentários a respeito de um tio comunista, que é torturado em uma das prisões do regime do xá. Corajosa, a jovem Marjane enfrenta os novos tempos com rebeldia, ao carregar nas costas os dizeres Punk is not dead (O punk não está morto), mesmo diante da obrigatoriedade de usar o véu muçulmano.

Guardiães da revolução e revolucionários de fachada

Satrapi
Marjane Satrapi, iraniana radicada na FrançaFoto: AP

Com o início da ditadura religiosa que se segue, a situação se agrava ainda mais, e o tio acaba sendo assassinado pelos "Guardiães da Revolução". Marjane tem 14 anos quando começa a guerra entre Irã e Iraque. Por receio de que aconteça algo à filha, seus pais a enviam para um internato na Áustria, onde a adolescente se vê confrontada com uma série de novos conflitos: a solidão e o sentimento de estar à parte de uma sociedade.

"No exílio austríaco, para Satrapi 'o lugar mais exótico no filme', a menina de 14 anos não encontra de forma alguma os idílios ocidentais do pensamento livre, mas sim as regras sem sentido e rígidas de um internato católico feminino, uma verborragia política perfumada e revoluções de fachada, além de punks estúpidos e esnobes e seu primeiro grande amor", descreve o Der Spiegel. Depois dessa experiência, ela resolve retornar ao Irã, onde se casa, se separa e mais tarde resolve voltar à Europa, mudando-se para Paris.

Traços expressionistas e neo-realistas

Para o longa de animação, Satrapi e Paronnaud optaram pelo contraste forte entre o preto e o branco (apenas poucas cenas, no início e fim do filme, são em cor), texturas marcantes e traços definidos. O traço de Satrapi nos quadrinhos, há de se lembrar, é com freqüência comparado ao de Art Spiegelman, cujo trabalho a artista declara admirar.

Flash-Galerie Filmszene Persepolis
Protagonista no aeroporto: transição entre culturasFoto: picture-alliance/ dpa

"Persépolis é um filme nitidamente de arte, que lida com elegância e exatidão com as simplificações necessárias do gênero. O traço de Satrapi tira a profundidade dos espaços, acentua o bidimensional e, ao mesmo tempo, dá às personagens uma presença marcante que as leva ao primeiro plano", observa o diário berlinense taz.

Para o filme, os diretores buscaram inspiração, entre outros, no expressionismo alemão e no neo-realismo italiano, comenta o Der Spiegel: "A mímica excêntrica e os cenários deformados, como num pesadelo, do filme expressionista alemão foram influências tão importantes quanto o neo-realismo italiano, que narra o destino de suas personagens alternando dramaticamente closes individuais e planos gerais que espelham o contexto social".

Dubladoras escolhidas a dedo

O sucesso de Persépolis na França foi tamanho que o filme, além de ter recebido o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes, foi indicado para a seleção prévia a ser enviada para a nomeação ao Oscar.

Em francês, a animação foi dublada por ninguém menos que Chiara Mastroianni e sua mãe, Catherine Deneuve. Para a versão alemã, as dubladoras foram, da mesma forma, escolhidas a dedo, com a atriz alemã de origem iraniana Jasmin Tabatabai dando voz a Marjane, e Nadja Tiller a sua mãe.

Humor que subverte

Filmszene Persepolis
Véus ameaçadores: o pavor da protagonista MarjaneFoto: 2007 PROKINO Filmverleih GmbH

Ao receber o prêmio em Cannes, Satrapi fez questão de ressaltar que seu filme não se posiciona "contra o Irã", como os governantes do país tentaram fazer crer quando do lançamento do filme. "Minha tarefa é fazer rir, pois rir pode ser uma arma bastante subversiva", disse a cineasta.

O grande mérito de Persépolis, afirma a quase unanimidade da crítica européia, é conseguir fazer a transposição do particular para o universal, colocando a questão da busca da identidade, tão pertinente na atualidade, como conflito central da obra.

Herança milenar

Também o título do filme não é uma escolha aleatória: Persépolis foi o nome dado pelos gregos à então monumental capital do Império Persa, cujas ruínas são hoje patrimônio histórico da humanidade.

Elas simbolizam, acredita Satrapi, um Irã que vai muito além do véu muçulmano, dos mulás e dos "guardiães da moral" que a mídia ocidental estampa com freqüência. Uma tentativa bem-sucedida de, a partir de uma história pessoal, lembrar que a população de um país não deve ser confundida com seus líderes.