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"Peça aproxima tema Anne Frank dos tempos atuais"

Heike Mund (av)12 de maio de 2014

Estreou em Amsterdã a adaptação para os palcos, em versão multimídia, do livro que sensibilizou gerações. Especialista no assunto, Mirjam Pressler fala sobre como conciliar uma temática trágica com entretenimento.

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Foto: picture alliance/AP Photo

Num teatro construído especialmente para esse fim, estreou em Amsterdã, na segunda semana de maio, Anne, a versão cênica do famoso Diário de Anne Frank como musical multimídia. Os autores da peça são Leon de Winter e Jessica Durlacher, ambos oriundos de famílias judaicas que sobreviveram ao Holocausto nazista. A música foi composta por Paul M. van Brugge.

A Deutsche Welle conversou sobre esse experimento com Mirjam Pressler, uma das mais importantes autoras infanto-juvenis da Alemanha. Nascida em 1940, em Darmstadt, de origem judaica, ela passou a infância em famílias adotivas e em orfanatos, onde acumulou vivências amargas que iria posteriormente elaborar em seus livros.

Seu primeiro romance para adolescentes, Bitterschokolade (Chocolate amargo) foi publicado em 1980, vendeu 400 mil exemplares e recebeu uma série de prêmios.

A também tradutora ganhou destaque em 1985 por sua edição crítica de O diário de Anne Frank. Em 2013, foi laureada "pelo extraordinário conjunto de sua obra literária" com a Medalha Buber Rosenzweig, destinada aos que promovem o entendimento entre judeus e cristãos.

DW:Desde a década de 80, a senhora se ocupa, como tradutora, de O diário de Anne Frank. Essa história pessoal, comovente, permite ser transformada num evento teatral-multimidiático?

Mirjam Pressler: Guiando-me apenas pelos meus sentimentos, eu diria: não. Sinto que é antes algo para ser lido. Por outro lado, Anne Frank é, claro, uma personagem que se presta muito bem ao grande teatro, por ser tão impressionante e multifacetada.

Mirjam Pressler
Mirjam Pressler lançou edição crítica do "Diário"Foto: picture-alliance/dpa

A estreia da peça foi em 8 de maio de 2014, no novo Theater Amsterdam. Na recepção que acompanhou o evento, estiveram presentes fotógrafos, repórteres de televisão, mais de mil convidados, tudo embalado por salgadinhos, prosecco e papos de festa. Isso combina com o tema?

Depois de tanto tempo passado, pode-se dizer que sim: a distância histórica em relação à pessoa de Anne Frank é muito grande, e são muitos os eventos em torno dela. Pode-se, sim, ver sua biografia como material teatral. As crianças e adolescentes não têm essa distância, naturalmente, mas os adultos, sim. É, por exemplo, como A lista de Schindler, que não nos afeta mais tão diretamente, como filme. É simplesmente uma temática a ser trabalhada.

Os autores da peça falaram de sua grande responsabilidade, ao receber a encomenda do Fundo Anne Frank para adaptar o livro para o palco. A senhora também se sentiu dessa forma, como autora e tradutora?

Sim, claro. Todo o mundo que trabalha com o tema se sente assim. E De Winter e Durlacher são, naturalmente, bons autores. Eu acho que a peça vai também servir para aproximar o tema aos tempos atuais, para gente que normalmente não leria o livro mas que vai ao teatro.

O Diário existe em mais de 70 traduções, em várias adaptações cinematográficas; Shelley Winters recebeu Oscar pela versão hollywoodiana, em 1959. Há xícaras, adesivos, bolsas de juta, etc. inspirados nele. Esse tipo de comercialização não traz sempre certos riscos?

Isso aí eu já acho kitsch. Tem também histórias em quadrinhos e coisas do gênero: isso me contraria mais do que uma peça teatral. Na minha percepção, não tem mais muito a ver com o diário de Anne. Mas não sei como evitar. Ela se tornou um símbolo, e a Casa de Anne Frank é um dos museus mais frequentados da Europa.

Anne Frank pretendia ser escritora? Até que ponto o seu diário é mais do que os registros de uma adolescente?

Musical "Anne" in Amsterdam (Rosa da Silva)
Rosa da Silva interpreta Anne Frank no Theater AmsterdamFoto: picture-alliance/dpa

Eu tenho certeza que ela teria se tornado algo grande: uma garota que, com 13, 14 anos de idade, foi capaz de fazer tanto com tão pouco! Na parte da casa em que a família dela teve que viver escondida, não havia nada. Era realmente maçante, quase não havia novidade. E ela conseguiu criar algo a partir daí, construir todo um mundo.

Muitos que não leram o livro veem apenas um destino trágico. A família de judeus Frank é delatada, a menina é deportada para Auschwitz e morre em 1945 no campo de concentração de Bergen-Belsen, poucas semanas antes da libertação pelos aliados. Mas, em seu diário, o que ficamos conhecendo é uma pessoa alegre, aberta para a vida. Como entender esse paradoxo?

É bem fácil de responder. Os registros se concluem com a frase: "Aqui termina o diário de Anne Frank." Mas aí é que começou a parte dramática. Anne não pôde mais manter um diário no campo de concentração. Ela e a família se refugiaram em Amsterdã, mas era uma segurança relativa, até o momento em que foram traídos. A maioria das crianças que viviam na clandestinidade ficava separada dos pais e tinha que trocar de esconderijo com frequência. Anne ficou dois anos no mesmo lugar, com os pais e outras pessoas.

Quer dizer que, na verdade, ainda falta o último capitulo?

É claro que falta. Por um lado, é isso que facilita a recepção do livro: dá para ler bem na escola e, como professor, manda-se lê-lo e se pensa: "Agora já fizemos algo sobre o Terceiro Reich." Mas na realidade o diário acaba no momento em que as coisas ficam ruins de verdade. Espero que os dois autores da peça não tenham parado nesse ponto.