Mestres e seus mestres
30 de dezembro de 2008Tendo o presidente francês, Nicolas Sarkozy, como patrono, a exposição Picasso e os mestres é a sensação do outono/inverno parisiense. Ela poderá ser visitada até 2 de fevereiro próximo nas Galerias Nacionais do Grand Palais.
Nas palavras da curadora Anne Baldassari, diretora do Museu Picasso, a mostra conseguiu o impossível: reunir, lado a lado, quadros de Picasso e dos mestres que o influenciaram – El Greco, Velásquez, Goya, Ingres, Delacroix, Manet, Lautrec, Degas, Gauguin, Cranach, Renoir, Ticiano, Cézanne, Rembrandt, Van Gogh, entre outros. Esses pintores formaram o universo onde a pintura aprendeu da pintura. "Um canibalismo pictórico sem precedentes", afirmam os curadores da mostra.
Pablo Picasso (1881-1973) se formou muito cedo, seguindo as regras da prática acadêmica que seu pai, professor de Belas Artes e diretor do Museu de Málaga, lhe apontou. Desenho da estatuária e da arquitetura antigas, cópias de telas de grandes mestres espanhóis, estudo da história da arte européia faziam parte da formação que nos lembra que Picasso é um pintor nascido no século 19, explicam os organizadores.
Estratégias subversivas
No entanto, a opressão sentida por Picasso – que nunca pôde desenhar como uma criança, mas teve logo que se confrontar com Michelangelo e Rafael – alimentou por muito tempo um desejo de subversão que o conduziu às mais radicais renovações formais. Picasso não somente trabalhou sobre telas dos grandes mestres, mas também rompeu os procedimentos acadêmicos de transmissão da tradição.
A transposição, o mimetismo, o confisco, a falsificação formam parte da estratégia empregada por Picasso perante seus mestres prediletos. A exposição no Grand Palais é articulada numa dezena de salas que mostram os grandes temas da expressão artística: auto-retratos, nus, naturezas-mortas, retratos femininos, pinturas históricas. No Grande Palais, o visitante poderá ver a versão de Picasso dos quadros de Velásquez A infanta Maria Margarida (1653) e O anão Sebastião de Morra (1644).
Por motivos de segurança, os quadros Mulheres de Argel (1834) de Eugène Delacroix e Almoço na relva (1863) de Claude Manet não puderam ser expostos no Grand Palais. Mas, se os mestres não vão até Picasso, ele vai até os mestres. Parte da exposição também poderá ser vista no Museu do Louvre, em torno do quadro de Delacroix, e no Museu d'Orsay, ao lado da obra de Manet.
Giacometti, o egípcio
O canibalismo pictórico de Picasso foi seguido pelo canibalismo escultórico do artista suíço Alberto Giacometti (1901-1966). Isso é o que nos mostra a exposição Giacometti, o egípcio, que poderá ser vista no Altes Museum (Museu Antigo) de Berlim até 15 de fevereiro de 2009. Durante muitas décadas, Giacometti estudou intensamente o antigo Egito, o que fica claro nos desenhos que fez de obras de arte egípcias, muitas delas pertencentes ao acervo dos museus de Berlim.
Esses desenhos influenciaram mais tarde seu trabalho como escultor. A mostra feita em cooperação com a Fundação Giacometti de Zurique aponta as analogias entre a obra escultórica de Giacometti e sua grande afinidade com as esculturas do Egito antigo, principalmente da época em que a capital foi transferida para Amarna por Akhenaton, esposo de Nefertiti.
A idéia da exposição nasceu do diretor do Altes Museum, Dietrich Wildung, um aficionado pela obra de Giacometti que compartilhou sua idéia com Christian Klemm, da Fundação Giacometti de Zurique. A realização da exposição foi então só uma questão de tempo. Certamente, a transferência temporária da coleção do Museu Egípcio para o Altes Museum, onde o busto da rainha Nefertiti também está exposto até outubro próximo, estimulou a iniciativa.
Nova luz à análise das obras
A justaposição de esculturas do Egito antigo do acervo do Altes Museum com uma dúzia de obras do artista suíço traz uma nova luz, tanto à análise da obra de Giacometti como a compreensão da atitude artística dos antigos egípcios. Como explicam os curadores, a base que sempre foi um detalhe pouco observado da obra de Giacometti ganha bastante importância junto às esculturas egípcias. Nos dois casos, ela forma o espaço no qual ou a partir do qual as figuras entram em ação.
O espaço como condição do movimento, explicam os organizadores, dá uma dinâmica virtual às rígidas esculturas egípcias. Por sua vez, as figuras retratadas por Giacometti, apesar de finíssimas, preenchem o espaço de sua base de tal forma que parecem que vão explodir.
O olhar do busto de Annette, esposa de Giacometti, tem a mesma força hipnótica daquele da estátua de Nefertiti, sua companheira na exposição. O que poderia ser uma provocação revela-se como algo de grande sensibilidade que transforma o observador em objeto. Giacometti mostra a força enigmática das esculturas sentadas do antigo Egito, que não sentam, mas reinam.
Os curadores da mostra berlinense fizeram questão de salientar que a exposição Giacometti, o egípcio faz jus ao letreiro luminoso do artista Maurizio Nannucci pendurado na fachada neoclássica do Altes Museum: All Art Has Been Contemporary (Toda arte já foi contemporânea).