Eutanásia e suicídio assistido
4 de julho de 2008Num gesto provocativo, o ex-secretário de Justiça de Hamburgo, Roger Kusch (CDU) admitiu publicamente ter ajudado uma senhora idosa a se suicidar, acirrando novamente a polêmica sobre a eutanásia na Alemanha.
Na segunda-feira (30/06), Kusch apresentou a jornalistas convidados um vídeo no qual uma senhora de 79 anos ingere um coquetel fatal de medicamentos em seu apartamento em Würzburg. Nas conversas gravadas, Bettina S. menciona, como motivo do suicídio, o medo de acabar a vida em um asilo.
Alarmada, a chanceler federal, Angela Markel, disse em entrevista à emissora de televisão N24 que é "absolutamente contra qualquer forma de eutanásia ativa, seja qual for o contexto em que esteja inserida". E alerta que, "diante deste caso, será essencial verificar mais uma vez que medidas legais adicionais terão que ser tomadas. A meu ver, temos que permanecer muito rígidos na posição – que é a posição do meu partido – de que a eutanásia ativa não deve ser praticada".
Eutanásia indireta não é crime
A eutanásia ativa, ou seja, o ato deliberado de provocar a morte do paciente atendendo à sua vontade real ou presumida, é ilegal na Alemanha. Matar a pedido de alguém é crime passível de punição com até cinco anos de cadeia. No entanto, Kusch, jurista de formação, não praticou eutanásia ativa, apenas disponibilizou à idosa o medicamento fatal.
A Procuradoria da República não vê aí nenhum indício criminal, já que a eutanásia indireta (veja link abaixo) não é crime na Alemanha, desde que corresponda à vontade do paciente. Segundo Kusch, a senhora aposentada, temendo acabar sua vida em um asilo, solicitou-lhe que a ajudasse a suicidar-se.
"Eu levo o ser humano em si a sério e respeito seu desejo. Procuro me manter fiel, inclusive no dia-a-dia, ao lema de que cada um deve ser feliz à sua maneira. Aliás, isso consta também de nossa Constituição e da Convenção Européia de Direitos Humanos", argumenta Kusch.
Devido à complicada situação legal na Alemanha, que torna arriscada a prática da eutanásia, muitos alemães apelam aos serviços prestados pela organização suíça de auxílio ao suicídio Dignitas. Mas também em outros países vizinhos, como Holanda, Bélgica e Luxemburgo, não há riscos legais.
Caráter duvidoso
O que causa um certo ceticismo é a própria pessoa de Kusch. Aos 53 anos, o político é tido como populista de direita com tendência à auto-encenação. Após uma carreira sem sucesso, fundou a Associação Pró-Eutanásia do Dr. Kusch. Recentemente, apresentou seu próprio mecanismo automático de suicídio, através do qual seria possível driblar os obstáculos legais para praticar a eutanásia ativa na Alemanha.
Embora tenha afirmado que não exigira recompensa financeira pelo suicídio assistido, o Senado de Hamburgo confirmou que Kusch poderá perder seu direito à aposentadoria ou que a mesma poderá ser reduzida – procedimento comum no caso de ex-membros do Senado que tenham atentado significativamente contra seus deveres ou demonstrado comportamento indigno.
Agora, especialmente políticos de direita querem pôr fim a organizações como a de Kusch na Alemanha. Na sexta-feira (04/07), diversos estados federados liderados por governos conservadores apresentaram no Bundesrat, câmara alta do Parlamento alemão, um projeto de lei a fim de criminalizar a eutanásia organizada.
Diante da polêmica envolvendo o projeto de lei, que prevê inclusive que a simples criação de uma organização com tais fins ou até mesmo a participação efetiva seja criminalizada, o Bundesrat optou por adiar a decisão.
Foi aprovada apenas uma proposta de resolução apresentada por 13 dos 16 estados federados, que prevê a caracterização do delito até o final deste ano. A Renânia do Norte-Vestfália e a Baixa Saxônia votaram a favor, apenas Berlim deu voto contrário. Segundo um porta-voz da secretária de Justiça de Berlim, Gisela von der Aue, "nem tudo o que é condenável deve ser automaticamente punível".
Respaldo político e da população cresce
No entanto, cresce também o apoio à liberalização da legislação correspondente, especialmente no que diz respeito a pacientes em estágio avançado de doença e vítimas de dores irreversíveis.
A maioria dos alemães desaprova a proibição total da eutanásia ativa, segundo uma pesquisa do instituto Emnid. Apenas 13% aprovam o projeto de lei e 55% acreditam que cada um deve decidir por si próprio se quer se suicidar e se precisa de ajuda externa para tanto.
O presidente do Conselho de Ética do governo alemão, o ex-ministro da Justiça Edzard Schmidt-Jortzig, expressou restrições cautelosas à criação de leis mais rígidas para a eutanásia passiva. "Obviamente existe uma certa demanda por tais atividades por parte de pessoas em situações extremas e, a meu ver, bastaria que se controlasse com mais rigidez as instituições que oferecem este serviço", explica.
Para o presidente da Associação Alemã de Juízes, Christoph Frank, tal proibição é "moralmente justificada, mas longe da realidade". Segundo ele, "o objetivo de combater organizações comerciais de princípios éticos duvidosos é correto, mas os políticos dão um falso exemplo, ao pretender que o problema da comercialização da eutanásia seja solucionável apenas através do Direito Penal".
No entanto, a maioria dos políticos não deixa de salientar que, em primeiro lugar, deve estar a tentativa de impedir que alguém acabe voluntariamente com a própria vida. Segundo críticos de Roger Kusch, foi exatamente isso o que ele deixou de fazer.