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Polêmica entrada da Guiné Equatorial ameaça manchar imagem da CPLP

24 de julho de 2014

País africano de língua espanhola é criticado por organizações internacionais por violação de direitos humanos. ONGs veem interesses econômicos na aceitação, mas esperam que decisão impulsione mudanças.

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Foto: Alexander Joe/AFP/Getty Images

Numa decisão polêmica, a Guiné Equatorial foi aceita como membro de pleno direito na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) nesta quarta-feira (23/07). O país africano, uma ditadura onde a língua mais falada é o espanhol, foi aceito por consenso, sem a realização de uma votação. A decisão foi tomada durante o encerramento da 10ª conferência da CPLP, em Díli, no Timor Leste.

Os demais países-membros da CPLP justificaram a aceitação da Guiné Equatorial como uma forma de promover a língua portuguesa no país africano. Entre os fatores que favoreceram a entrada estaria também uma resolução assinada em fevereiro pelo ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, suspendendo a aplicação da pena de morte, uma das condições impostas pela CPLP. A legislação em vigor no país, no entanto, mantém a pena capital entre as punições previstas.

Por este e por outros motivos ligados a violações de direitos humanos, a entrada da antiga colônia espanhola na CPLP divide opiniões e suscita críticas de diversos setores. Organizações internacionais consideram que a CPLP está colocando os interesses econômicos à frente da defesa dos direitos humanos ao admitir a Guiné Equatorial como membro, tratando-se de um país rico em petróleo.

Para a ONG Human Rights Watch, a comunidade "corre um grande risco" ao acreditar nas promessas de respeito aos direitos humanos feitas pelo regime da Guiné Equatorial. "Este é mais um exemplo dos esforços do presidente Obiang para obter reconhecimento na cena internacional fazendo promessas de direitos humanos que nunca cumpre", comentou Lisa Misol, investigadora da organização não governamental, à agência de notícias Lusa.

Ao aceitar a adesão da Guiné Equatorial, acrescentou Misol, "os líderes dos países de língua portuguesa estão correndo um enorme risco". Ela sugere que seja imposta uma "avaliação independente" do regime em termos de direitos humanos. "De outra forma, o presidente Obiang vai usar isso como uma propaganda de vitória, e a comunidade fracassará em assegurar um progresso real em termos de respeito aos direitos humanos."

Preocupações com direitos humanos

A Anistia Internacional, por sua vez, questionou a motivação subjacente à moratória da pena de morte. "Seria para garantir a adesão à CPLP, ou haveria e há, de fato, um compromisso sério, fundado, de abolir a pena de morte?", ponderou a diretora executiva do órgão em Portugal, Teresa Pina. Para ela, no entanto, a decisão de incluir a Guiné Equatorial pode servir como uma excelente oportunidade para Portugal, candidato à liderança do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, fazer-se ouvir nessa matéria em relação ao país africano.

Teodoro Obiang Nguema Präsident von Äquatorial Guinea
Teodoro Obiang Nguema, que governa o país desde 1979Foto: AP

Pina considerou que não cabe à sua organização se pronunciar sobre a adesão, mas enumerou algumas das preocupações sobre direitos humanos na Guiné Equatorial, além da pena de morte: "Eu diria que há um histórico sério de execuções extra-judiciais, há também casos identificados de desaparecimentos forçados, a questão da tortura, que, não obstante estar previsto no ordenamento jurídico da Guiné Equatorial, é identificada como uma prática sistemática em estabelecimentos prisionais."

A ativista defendeu ainda a necessidade de se "persuadir a Guiné Equatorial a se manter firme na decisão de abolir a pena de morte" e lembrou que, no início do ano, houve execução sumária de, pelo menos, nove pessoas no país, 15 dias antes do anúncio da suspensão da prática. "Entendemos que o próximo passo será, naturalmente, persuadir a Guiné Equatorial a não fazer recuos em relação à moratória que já existe, embora ela seja temporária e que, precisamente por ser temporária, é reversível, pode terminar a qualquer momento e seus efeitos também", salientou.

Clube de negócios

Para a pesquisadora Ana Lúcia Sá, as razões para a adesão não ficaram claras. "Poderiam ser mais claros quanto aos motivos que levaram à adesão à CPLP, em vez de falarem da língua, da pena de morte e dos direitos humanos, dizerem o que interessa para esta adesão e dizer no que a CPLP está se transformando: num clube de negócios", afirmou à agência Lusa a pesquisadora, especializada no país africano.

Ela avalia que a CPLP precisará mudar "alguma coisa" no futuro, já que a aceitação da Guiné Equatorial fez com que a língua portuguesa deixasse de ser o elemento de união entre os países, afirma. Ela duvida, porém, que o país vá cumprir os pontos estabelecidos pela CPLP. "O governo da Guiné Equatorial não aposta na educação, nem sequer no espanhol, não sei até que ponto o português será uma aposta ou prioridade", avaliou.

Só Portugal expressou resistência

O único país-membro a apresentar alguma resistência à entrada da Guiné Equatorial na CPLP foi Portugal. Em 2012, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, manifestou-se contra a adesão plena da Guiné Equatorial à comunidade lusófona na cúpula de Maputo, considerando que o país não fizera progressos suficientes nas questões dos direitos humanos.

O ex-candidato presidencial Manuel Alegre, histórico dirigente dos socialistas portugueses, defendeu que Portugal deveria ter ficado sozinho contra a adesão da Guiné Equatorial à CPLP, frisando que os direitos humanos e a língua portuguesa são mais importantes do que o petróleo.

"Justificando a posição de Portugal sobre a adesão da Guiné Equatorial à CPLP, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, disse que o nosso país não podia ficar isolado, mas eu acho que precisamente o contrário. Portugal deveria ter ficado isolado em defesa dos direitos humanos contra a pena de morte em vigor na Guiné Equatorial e em defensa dos valores que estão na origem da fundação da CPLP", contrapôs Alegre, em declaração à Lusa.

No poder desde 1979

Independente desde 1968, a Guiné Equatorial é governada desde 1979 por Teodoro Obiang Nguema Mbasogo. O país é o terceiro maior produtor de petróleo na África subsaariana, depois da Nigéria e de Angola. O português é agora o terceiro idioma oficial do país, depois do espanhol e do francês. Uma versão arcaica da língua é falada por uma parcela mínima da população.

O governo da Guiné Equatorial anunciou a entrada para o bloco lusófono ainda na terça-feira, num texto divulgado na sua página oficial da internet em inglês, espanhol e francês, mas não em português. Integram agora a CPLP Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

IP/lusa/dw