Polêmico projeto de pedágio para estrangeiros irrita vizinhos da Alemanha
9 de dezembro de 2013Um pedágio para motoristas estrangeiros é um dos pontos mais polêmicos do contrato de coalizão que provavelmente sustentará o terceiro mandato da chanceler federal alemã, Angela Merkel. Antes mesmo de ser oficialmente aprovada, a medida já provocou irritação em países vizinhos da Alemanha.
A Áustria ameaça entrar com um recurso judicial, e a Holanda cogita recorrer à Corte Europeia de Justiça. A ideia é introduzir, nas autoestradas alemãs, uma taxa para automóveis com registro no exterior. O dinheiro arrecadado seria usado na manutenção da estrutura rodoviária alemã.
O plano só entrou no acordo entre conservadores e social-democratas por insistência do governador da Baviera, Horst Seehofer, que é também presidente da União Social Cristã (CSU), partido irmão da União Democrata Cristã (CDU) de Merkel. O político do sul da Alemanha colocou o pedágio para estrangeiros como pré-condição para participar da coalizão de governo, apesar da oposição dos outros dois partidos.
Seehofer sustenta que era uma promessa de campanha, mas os vizinhos reclamam. "Seria uma violação do direito da UE, o que enfrentaria a oposição veemente da Áustria", alertou o ministro dos Transportes austríaco, Doris Bures. A ministra holandesa, Melanie Schultz van Haegen, também divulgou que "não está nem um pouco contente" com os planos alemães.
País de trânsito
Quem atravessa a Europa de norte a sul ou de leste a oeste tem quase sempre que passar pelas autoestradas alemãs. E isso é gratuito. Mas países vizinhos, como França, Áustria ou Suíça, cobram há muito tempo uma taxa para uso de suas rodovias. "Agora essa situação vai mudar", devolve o ministro alemão dos Transportes, Peter Ramsauer, também da CSU. Ele argumenta que a Alemanha é um país de trânsito, no coração da Europa, com uma grande quantidade de tráfego. Por isso afirma que o pedágio viria para sanar uma injustiça.
O jurista Volker Boehme-Nessler, especialista em direito europeu, é taxativo: "O pedágio alemão para estrangeiros violaria a legislação europeia". Ele explica que a medida seria uma discriminação, proibida pelo artigo 18 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Nem mesmo o artifício de Seehofer, de cobrar o pedágio também dos alemães em troca de uma redução no imposto sobre veículos automotores, seria compatível com a legislação europeia, diz Boehme-Nessler. O especialista considera isso uma "discriminação disfarçada".
O jurista avalia que apenas haveria uma chance se a Alemanha reduzisse outros impostos, fazendo com que a redução não fosse diretamente associada ao pedágio.
Disputa por seis quilômetros de rodovia
Mesmo antes de a medida passar a valer já existe uma disputa na fronteira entre a Áustria e a Alemanha. O motivo são seis quilômetros de rodovia, que eram isentos de pedágio até 1° de dezembro de 2013. Especialmente turistas alemães eram beneficiados, quando viajavam para as estações de esqui austríacas.
Agora, quem for descoberto naquele trecho sem um adesivo no carro tem que pagar uma multa de 120 euros. A cobrança do pedágio austríaco no trecho pode ser uma primeira reação aos planos anunciados pela Alemanha.
Ralf Resche, diretor no Automóvel Clube alemão (ADAC), não vê a decisão como uma espécie de represália, mas reconhece que a disposição do Ministério dos Transportes da Áustria para negociar é atualmente "muito limitada".
Ideia fadada ao fracasso
Um olhar para o passado mostra que a ideia de se cobrar pedágio apenas de estrangeiros é algo que não costuma funcionar muito bem. Um exemplo é o pedágio cobrado de caminhões.
Desde 2005, os veículos pesados têm que pagar uma taxa para transitar nas estradas alemãs, não importa de que nacionalidade sejam. Na época, o governo alemão também queria cobrar apenas de estrangeiros, dando compensações fiscais a caminhoneiros do país. O truque não funcionou. A Corte Europeia da Justiça rejeitou o modelo.
Agora a história pode se repetir. "Pedágio para todos ou para ninguém": essa deve ser a decisão da Corte Europeia de Justiça, na opinião de Resche. Já Boehme-Nessler acredita que os parceiros de coalizão da CSU vão "empurrar a questão com a barriga". Uma decisão da Justiça pode demorar cerca de dois anos. Até lá, ninguém mais vai se lembrar do pedágio.