Política restritiva da UE agrava situação de refugiados africanos
5 de outubro de 2013A tragédia dos migrantes africanos na costa da Itália, nas proximidades da ilha de Lampedusa, pode ter custado até 300 vidas. Isso constitui um ápice na crise dos refugiados na região do Mediterrâneo e provoca consternação e apreensão.
Entretanto, a crise em si não é novidade. Grande parte das vítimas do naufrágio vem da Eritreia e da Somália, na região do Chifre da África, e já há anos os habitantes da região empreendem essa perigosa viagem até a Europa.
O padre eritreu Abba Musse dirige a organização para refugiados Agency Abesha, em Roma. "Muitos chamam a ditadura na Eritreia de 'a Coreia do Norte da África'", menciona, para dar uma ideia do desespero de seus compatriotas.
África em tormento
O regime do presidente Isayas Afewerki não concede qualquer tipo de liberdade a seu povo, nem de imprensa, nem de religião, nem de reunião. ONGs humanitárias como a Anistia Internacional acusam Afewerki de prender arbitrariamente seus opositores políticos, além de outras violações sistemáticas dos direitos humanos.
Enquanto na Eritreia são as ações de um ditador brutal a obrigar os cidadãos a fugir, arriscando a própria vida, na Somália, a ameaça é a insegurança generalizada. Após longos anos de guerra civil, desde 2012 o país tem novamente um presidente eleito. No entanto, a milícia fundamentalista islâmica Al Shabaab continua espalhando o terror por grandes áreas do país.
"A consequência da longa guerra são também problemas sociais e econômicos", explica Musse. "Muitos não têm trabalho nem meios de subsistência." A isso, acrescente-se a mudança climática global, que agravou o clima seco da região.
Desespero explorado
Antes de iniciar a viagem pelo mar, grande parte dos refugiados vai parar na Líbia. Falando a Musse, alguns deles revelaram que também naquele país foram perseguidos e discriminados, devido à cor escura da pele ou, em parte, devido à fé cristã. Por isso, os migrantes não podem nem querem permanecer em solo líbio.
"Ao chegar ao Mediterrâneo, a maioria deles perdeu todos os bens", relata Michael Hippler, da organização católica Misereor. Portanto, precisam ganhar dinheiro para pagar os traficantes que os levarão à Europa. "Como a população local conhece os apuros dos refugiados, muitos deles são, ainda por cima, explorados."
Com frequência se ouve o apelo à Europa para que não deixe as ondas de refugiados sequer se formarem, ajudando antes os cidadãos em seus próprios países. "Uma ideia bem-intencionada, porém quase impossível de aplicar no caso da Eritreia e da Somália", pondera Hippler.
O novo governo somali em Mogadíscio não é forte o suficiente para defender sua soberania sem ajuda internacional. No entanto, as tropas internacionais na África esbarram por vezes na rejeição da população. E, seja como for, a história tem provado que intervenções militares trazem poucas melhoras. Na Eritreia, tampouco há muitos meios para influenciar as condições políticas a partir do exterior.
É complicada a cooperação para o desenvolvimento com a repressiva Eritreia e a instável Somália. Segundo o funcionário da Misereor, isso leva a Alemanha e outros países doadores a se engajarem mais intensamente em regiões onde encontram melhores condições e parceiros mais confiáveis, como Etiópia ou Quênia.
"Europa faz o jogo dos traficantes"
"Quando a ajuda in loco fracassa, as potências ocidentais deveriam encontrar formas alternativas de apoio", sugere Hippler. "A Alemanha e a Europa precisam reestudar suas leis de imigração."
A atitude puramente defensiva contra os refugiados prejudica a recuperação na área do Chifre da África de uma outra forma, já que "as transferências bancárias dos emigrantes no Canadá, Estados Unidos e Europa são, atualmente, a maior fonte de receita para a Somália". Africanos que se integrem na Alemanha também poderiam apoiar seus parentes na terra natal.
A comissária europeia para Assuntos Internos, Cecilia Malmström, pronunciou-se na quinta-feira por um maior empenho em coibir a ação dos traficantes, que exploram a necessidade dos refugiados. "No entanto, a política restritiva de imigração da Europa faz justamente o jogo desses criminosos", critica o padre Abba Musse.
Em vez de tentar bloquear todas as suas fronteiras, os países-membros deveriam abrir as portas aos necessitados de asilo, permitindo-lhes imigrar de forma legal. "Quando a Europa cerra suas portas, os traficantes abrem uma janela para os refugiados", sintetiza o diretor da ONG Agency Abesha.