Política populacional deixa de ser tabu na Alemanha
27 de dezembro de 2005Às vezes os alemães olham com inveja para a vizinha França. Pois lá, não se conhece o problema da falta de descendência. O jornal Le Figaro noticiou recentemente, com orgulho: "Somos 62 milhões de franceses".
Fato é que a população da terra de Jacques Chirac cresce desde o fim da década de 90, enquanto a alemã míngua sensivelmente. No momento, a França apresenta o maior índice de natalidade do continente, embora a Alemanha conte 83 milhões de habitantes.
Mas a política populacional dos distintos governos nacionais é apenas um, entre os diversos motivos para esta discrepância no desenvolvimento demográfico.
Tema marcado pelo nacional-socialismo
Após a Segunda Guerra Mundial e a queda do regime nazista, na Alemanha tornou-se condenável pensar numa política populacional ativa. Enquanto isso, na França, o presidente Charles de Gaulle pedia a seu povo 12 milhões de bebês, sem que ninguém o criticasse.
Reiner Klingholz, do Instituto de Berlim de População Mundial e Desenvolvimento Global, explica: "Na Alemanha o debate demográfico orientou-se muito pelo passado. E nosso passado nacional-socialista marcou fortemente o tema com conceitos como estudo das raças, ideologia racial. Por isto, esse grande cuidado em lidar com ele, após a Segunda Guerra".
A questão da pureza racial
Tal pudor se faz notar em todos os países europeus que passaram por regimes fascistas, para os quais a política populacional era meio para alcançar um fim: a proliferação da própria nação, visando dominar as outras.
O seguinte trecho de um discurso do ministro do Interior do Terceiro Reich, Wilhelm Frick, por ocasião do Dia das Mães de 1935, ilustra de forma plástica o potencial assassino da obsessão racial:
"Todos sabem quão inquietante foi o declínio das taxas de nascimento do povo alemão na virada do século, e conhecem as conseqüências do triste fato da seleção equivocada e da miscigenação racial. Pois, em todas as camadas sociais, as famílias trabalhadoras passaram a ter cada vez menos filhos, enquanto outras, menos valorosas e degeneradas, se reproduziam irrefreadamente; ou porque alemães irresponsáveis se uniam a gente de outras raças."
"Campo de batalha da mulher"
Os nazistas punham a política populacional a serviço de suas metas. A partir de 1938, as mães de três filhos ou mais recebiam a Cruz da Mãe Alemã. Adolf Hitler definia a maternidade como "campo de batalha da mulher", ou seja: as alemãs tinham como missão pôr no mundo soldados alemães.
As vantagens econômicas oferecidas e a supervalorização ideológica do papel maternal tinham como fim despertar o desejo de gerar tantos filhos quanto possível. Essa obsessão dos nazistas por uma população de raça pura foi o que mais tarde tornou tabu o tema política familiar.
Segundo Klingholz: "Os políticos alemães do pós-guerra foram unânimes em distanciar-se desse tema. [o chanceler federal] Konrad Adenauer alegava: 'As pessoas têm filhos, de qualquer forma'; segundo Helmut Schmidt, a política não tem que se ocupar com o que os cidadãos fazem na cama. E Helmut Kohl, de início também o governo Schröder, não queriam se imiscuir em questões de política familiar."
Separando família e ideologia
Devido à pesada aura do nazismo, todos evitavam se ocupar de polítca populacional na Alemanha, até bem recentemente. Mas nos últimos dois anos já se questiona, por exemplo, se a maior disposição maternal das francesas não se deveria às melhores ofertas de acompanhamento infantil no país vizinho.
Interessante notar que o debate foi desencadeado pela crise do sistema social. "Embora a atual crise nada tenha a ver com fatores demográficos", comenta Reiner Klingholz: "Isso só ocorrerá em 2015, quando se aposentam os últimos nascidos em anos demograficamente fortes".
Para o perito em assuntos demográficos, só muito recentemente, praticamente nas últimas semanas e meses, o tema se libertou da casca de ideologia: "Hoje em dia, política familiar é discutida quase sem qualquer toque ideológico. Súbito, todos reconhecem as relevância do acompanhamento infantil em horário integral, nos jardins da infância e escolas, e a discussão torna-se possível".
Alta temperatura emocional
Essa nova abertura para tratar do tema desenvolvimento demográfico na Alemanha de forma objetiva é, sem dúvida, positiva.
Em contrapartida existe a tendência de aquecer emocionalmente o assunto, como sói acontecer no tocante a outros temas políticos. Não são poucos os jornalistas que profetizam o fim da sociedade alemã, com frases de efeito como "colapso de natalidade" ou "greve uterina".
Por isso, o historiador Jay Winter, da Universidade de Yale, aconselha os alemães a "baixar a temperatura ideológica desse debate".