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Por que atraso do La Niña pode ser boa notícia para o Brasil

13 de dezembro de 2024

Depois de superaquecer com El Niño, oceano Pacífico vive fase neutra, o que diminui chances de secas extremas e chuvas intensas pelo Brasil.

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Reservatório vazio no Uruguai em 2023 devido à seca causa da pelo La Niña
La Niña costuma trazer seca extrema para o Sul da América do SulFoto: Ernesto Ryan/Getty Images

Previsto para dar seus primeiros sinais a partir de junho de 2024, o La Niña ainda não se manifestou. O fenômeno se confirma sempre que o oceano Pacífico Equatorial fica meio grau mais frio que o normal por, pelo menos, três meses consecutivos. Neste momento, a temperatura da água naquela região está 0,3 °C abaixo da média.

"O Pacífico na área central esfriou razoavelmente, tem uma mancha de água mais fria. Mas a intensidade desse resfriamento não atingiu o ponto necessário para ser considerado La Niña", afirma à DW Marcelo Seluchi, coordenador geral do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).

O La Niña sucederia a outra face do mesmo fenômeno, o El Niño, que superaqueceu as águas do Pacífico de junho de 2023 a junho deste ano. Em sua fase ativa, ele foi responsável por eventos climáticos extremos catastróficos, como a enchente recorde no Rio Grande do Sul, em maio.

A atual neutralidade, ou seja, a ausência desses fenômenos, pode ser uma boa notícia para os brasileiros, explica Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). "Quando temos El Niño e La Niña, temos eventos climáticos extremos. Quando o ano é neutro no Pacífico [sem aquecimento ou resfriamento acima da média], a tendência é que tudo fique mais normal", pontua.

Mas nada é garantido numa era de mudanças climáticas. "Como o clima está meio bagunçado, estamos perdendo a sazonalidade, a normalidade", adiciona Rodrigues.

Nesta quinta-feira (12/12), o boletim divulgado pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA, na sigla em inglês), previu 59% de chances de o La Niña ainda aparecer em breve.

"Não há indicações de que seja de intensidade forte, deve ser uma La Niña fraca", avalia José Marengo, climatologista da Coordenação Geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.

A diferença do meio grau

A explicação para o surgimento das manchas mais quentes ou mais frias no Pacífico é complexa. Uma série de fatores influenciam esses fenômenos, como correntes oceânicas, ventos, águas profundas e da superfície remexidas.

A temperatura média do oceano Pacífico é de 26 °C. Quando ela fica meio grau abaixo do normal, o que se configura um episódio de La Niña, os impactos são sentidos em todo o planeta. No Brasil, a região Sul costuma ficar mais seca. Na Amazônia, chove mais – o mesmo acontece na região semiárida do Nordeste.

A última temporada persistiu por três anos, de 2020 a 2023, uma duração considerada rara. O período foi marcado por estiagem no Sul, quebra de safras e a maior crise hídrica dos últimos 78 anos na bacia do Paraná-Prata, que abastece reservatórios vitais para a geração de energia hidrelétrica.

"Desde 2014, estamos vivendo ciclos de El Niño e La Niña o tempo todo. Isso é um problema sério porque eles causam extremos climáticos principalmente na América do Sul", comenta Rodrigues.

Efeito cascata

As temperaturas globais dos oceanos estão muito acima da média há mais de um ano. Em novembro não foi exceção, mostram medições da NOAA. Na porção norte do Atlântico, que influencia o clima no Brasil, a temperatura está 0,8 °C acima do normal, o que ajuda a explicar a pouca chuva na Amazônia, abalada por uma estiagem histórica.

"Algumas áreas do Atlântico chegaram a registrar 3 °C a mais que a média, o que é muito raro. Talvez já seja uma evidência do enfraquecimento da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico, mais conhecida como Amoc, e isso é seríssimo", comenta Rodrigues.

A Amoc é um grande sistema de correntes que circulam água dentro do oceano Atlântico. Ela traz água quente para o Norte, e carrega água fria para o Sul. Por conta do aquecimento do planeta, ela tem perdido força e ameaça colapsar. "Se isso acontecer, todo o sistema climático muda porque a Amoc não vai mais distribuir o calor, a tendência é que ele se acumule mais perto dos trópicos", explica a cientista da UFSC.

Mundo mais quente

Com 2024 muito perto de ser confirmado como o ano mais quente da história moderna, batendo a marca de 2023, a preocupação com o futuro aumenta, diz Seluchi. "O aumento da temperatura do planeta puxa a temperatura dos oceanos, isso aumenta a evaporação. A atmosfera mais quente retem mais essa umidade e essa água toda se torna em algum momento chuvas extremas", explica.

Mais quentes, os oceanos também derretem mais rápido as calotas polares. Na Antártida, grandes estruturas de gelo estão se perdendo. No Ártico, o último verão registrou recordes, segundo a Agência Espacial Europeia. Um estudo recente publicado na Nature Reviews Earth & Environment estima que a região poderá ter dias de verão praticamente sem gelo marinho antes de 2030.

"É muito preocupante. Os modelos matemáticos ainda não conseguem reproduzir a sensibilidade do sistema climático, ou seja, como o sistema todo responde a essas mudanças. O que muda nos processos físicos, na biota, e como isso tudo pode contribuir para o aumento da temperatura global", afirma Rodrigues. "Tem muita gente estudando isso e logo teremos um salto científico, com algumas respostas", complementa.

Os oceanos estão ficando cada vez mais quentes