Por que o impasse alemão não é uma crise
26 de novembro de 2017Para muitos, Wolfgang Schäuble é "o" veterano da política alemã. O presidente da bancada parlamentar da conservadora União Democrata Cristã (CDU) já viu muita coisa e travou numerosas batalhas políticas: sua palavra tem peso.
Na terça-feira (21/11), após o fracasso das negociações da assim chamada "coalizão Jamaica", ele descreveu deste modo as circunstâncias:
"Caras e caros colegas, temos uma situação inusitada, como o presidente [Frank-Walter Steinmeier] também frisou. É um teste de resistência, mas não é uma crise estatal."
Schäuble tem razão: no atual estado de coisas, Angela Merkel e sua CDU não conseguiram formar um novo governo com a irmã bávara União Social Cristã (CSU), o Partido Liberal Democrático (FDP) e o Partido Verde. No entanto, Merkel continua no mesmo posto que já ocupa há 12 anos: a Chancelaria Federal.
Desde que o novo parlamento foi eleito, o governo federal funciona apenas interinamente. Mas a Lei Fundamental alemã reza: a rigor ele tem exatamente os mesmos direitos e deveres que um governo eleito. E não há prazo para um governo: ele permanece em vigor até ser eleito um novo.
Chance para a democracia?
A Alemanha, portanto, não está desgovernada. E alguns parlamentares até veem uma chance na atual constelação, à primeira vista, caótica. Segundo o liberal Christoph Hoffmann, "os grandes partidos estabelecidos estão se diluindo um pouco".
"[Agora] temos mais partidos no Parlamento, e nesse caso fica cada vez mais difícil encontrar coalizões estáveis. Está perfeitamente claro, é preciso se preparar para isso. Mas é também uma chance para a democracia, e não vai enfraquecer o Parlamento."
Johannes Kahrs, da ala conservadora do SPD, concorda, e não vê o menor sinal de crise. "Temos um governo que trabalha, o orçamento está lá. Agora temos um debate sobre como vamos lidar com o resultado da eleição. Mas isso também faz parte de qualquer democracia."
Raio de ação limitado
Apesar disso, um governo não eleito pelo Parlamento não deve tomar decisões realmente relevantes, que estabeleçam precedentes. Da constelação interina não se devem esperar resoluções como, por exemplo, o fim do serviço militar obrigatório, o abandono da energia nuclear ou leis importantes relativas à imigração.
Esse fato já teve consequências concretas. Quando, na recente conferência do clima COP23, em Bonn, mais de 20 nações anunciaram a intenção de renunciar à produção de eletricidade com carvão mineral, a ministra alemã do Meio Ambiente, a social-democrata Barbara Hendricks, aprovou a decisão, mas se ateve de aderir, para não se antecipar ao futuro governo em Berlim.
Também as competências dos ministros estão ligeiramente restritas, não perante as leis, mas pelas regras da boa conduta política. Por outro lado, se for preciso o governo interino tomar uma decisão extremamente importante, ele pode sempre pedir a aprovação do novo Parlamento, onde os grandes partidos CDU/CSU e SPD possuem clara maioria e a possibilidade de apoiar seus ministros.
Governo minoritário
Em Berlim muito se discute atualmente sobre um possível governo minoritário, em que a CDU de Merkel, mais a CSU e ou o Partido Verde ou o FDP, ficariam sempre dependendo dos votos da oposição, de caso para caso.
Na Dinamarca, esse tipo de governo de minoria já é quase rotina. Na Alemanha, por outro lado, os especialistas não veem a alternativa com grande entusiasmo. Entre eles, Volker Boehme-Nessler, jurista e cientista político da Universidade de Oldenburg.
"Para o período de transição, o governo minoritário certamente não seria problema, mas no longo prazo não seria uma solução. É também psicologicamente complicado fazer passar leis diferentes com parceiros diferentes." Até porque o país não tem experiência com esse modelo.
Aí, novas eleições parecem a solução mais provável, caso Merkel não encontre aliados que lhe assegurem maioria.
Estilo Merkel
Há quem veja na atual situação até mesmo uma vantagem para a chefe de governo. Como afirma seu correligionário Roland Koch, ex-governador do estado de Hessen, "ela está governando agora numa fase em que todo elemento visionário demais perturba o expediente. Isso combina com o pragmatismo dela".
O elogio à líder partidário vem com uma ponta de veneno. O que não é de espantar, já que, por muito tempo, Koch foi adversário de Merkel e crítico de sua decisão de abrir mão de diversas posições conservadoras na CDU.
O bom exemplo holandês
A vizinha Holanda acaba de dar um exemplo tranquilizador para os alemães. Depois de passar sete meses sem governo eleito, desde as eleições de março, poucas semanas atrás ela constituiu sua nova liderança política. E nem por isso o país se precipitou no caos.
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