Proibição difícil
16 de novembro de 2011Na política alemã, os partidos são expressão de uma democracia viva. Por isso, logo após a Segunda Guerra Mundial, os fundadores da República Federal da Alemanha colocaram os partidos sob proteção especial, independentemente de sua orientação política. A função deles é aglutinar os desejos dos eleitores. Por isso, a Lei Fundamental protege a todos, contanto que respeitem a ordem liberal-democrática, a Constituição, a não violência e os direitos humanos.
Assim, o governo federal alemão não tem poder para simplesmente proibir um partido. Um governo ou uma maioria parlamentar tem sempre que apresentar uma requisição nesse sentido à suprema corte da Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal. Na história do país, somente dois processos desse tipo tiveram sucesso: em 1952 o Partido Socialista do Reich (SRP) foi proscrito, e em 1956, o Partido Comunista da Alemanha (KPD).
O SRP reunia numerosos extremistas de direita, alguns dos quais haviam até conseguido entrar para o Bundestag (câmara baixa do Parlamento). Tratava-se de um péssimo sinal; afinal, mais uma vez havia extremistas num Parlamento alemão. Já o KPD foi acusado de manter ligações estreitas com os regimes instalados em Moscou e Berlim Oriental. Em tempos de Guerra Fria, o governo alemão ocidental, sob Konrad Adenauer, considerava o partido uma ameaça à democracia.
Em plena Guerra Fria
De um modo geral, após o nazi-fascismo e a divisão do país, a maioria esmagadora dos políticos da jovem República Federal da Alemanha não queria ter mais nada a ver com extremistas. Mas, mesmo assim, não foi nada simples fazer passar os processos de proibição do SRP e do KPD. Mas, no fim, foram bem-sucedidos.
Então, por que não seria possível, hoje, também proscrever com toda convicção um grupo que representa uma ideologia radical de direita, como o Partido Nacional Democrático (NPD)?
A década de 50 era o período imediatamente após a Segunda Guerra, e havia menos pudores jurídicos do que hoje, explicam unanimemente os historiadores do Direito. O governo Adenauer até mesmo pressionou o Tribunal Constitucional Federal pela proibição do KPD.
Os informantes estatais secretos, infiltrados nos partidos indesejados, tampouco representaram problema para o decorrer dos processos de interdição. Nenhum juiz acusou aí motivo para suposta influência ilícita por parte das autoridades responsáveis. Após um processo relativamente breve, os juízes da suprema corte cederam, proferindo as proibições.
Fracasso desastroso
Mas a história foi bem diferente em 2003. Diversos crimes com motivação radical de direita motivaram os políticos a agir, e o NPD foi identificado como solo fértil para os atos de violência em questão.
Ele fora fundado em 1964, ou seja, oito anos após a última interdição de um partido no país, e desde então conquistara assentos em sete parlamentos estaduais. Após a reunificação do país, na década de 90, também obtivera alguns êxitos eleitorais na Alemanha Oriental.
Mas, ainda assim, em 2003 o NPD era considerado apenas um pequeno grupamento, antes insignificante, com menos de 6 mil membros. Em comparação, os partidos da coalizão governamental de então, o democrata-cristão CDU e o social-democrata SPD, contavam meio milhão de afiliados, cada um.
Ainda assim, a certeza era unânime: o Partido Nacional Democrático tem que ser proibido. Porém, dessa vez, o processo – rapidamente proposto pelo Bundestag em caráter suprapartidário – fracassou no Tribunal Constitucional Federal.
Os juízes constataram que o Departamento Federal de Proteção da Constituição infiltrara informantes no NPD: dos 200 afiliados em seu diretório, 30 eram pagos por esse serviço secreto interno que tem por finalidade vigiar pessoas e instituições que representem um perigo à democracia alemã.
Essa situação dava margem para suspeitas de que o partido houvesse sido manipulado, justamente pela instância interessada em sua proscrição. Além disso, existia a possibilidade de que futuros inquéritos exigindo provas sofressem manipulação pelo governo. A sentença foi um desastre para o Bundestag.
Entre 1950 e 2003, tinham-se desenvolvido no país mecanismos de proteção à democracia mais rigorosos, e um divisão de poderes mais definida. Era maior agora a consciência do perigo do abuso, pois, teoricamente, a proibição é uma arma com que os partidos da situação podem neutralizar todo e qualquer concorrente que se torne incômodo.
Quatro juízes constitucionais contrários à sentença pelo menos pleitearam que se investigasse o grau de periculosidade do NPD – o que tampouco ocorreu. Seis anos mais tarde, o secretário do Interior da Baviera Joachim Hermann retomou o intento de interditar o grupo. No entanto, o ministro do Interior Wolfgang Schäuble o desaconselhou da iniciativa: era grande demais o temor de uma nova derrota, que só fortaleceria a posição dos extremistas.
Poucas alternativas
Já que a legislação alemã define com extremo rigor os requisitos para proscrição de um partido, sobram poucas possibilidades de proibir o NPD. Seria necessário provar que ele promoveu, apoiou, ou, no mínimo, incentivou os recentes assassinatos de cidadãos estrangeiros na Alemanha. Segundo especialistas jurídicos, a chance de se estabelecer tais conexões é quase nula.
Do ponto de vista jurídico, as palavras de ordem xenófobas do NPD não são motivo suficiente para proscrevê-lo. Embora incomodem a maioria dos cidadãos do país, elas podem ser encaixadas no direito à livre expressão – que a Lei Fundamental defende, contanto que tais manifestações não contenham elementos ofensivos. Resta o comportamento agressivo e criminoso de seus adeptos. Mas – além de isso também ter que ser provado – o mau comportamento de alguns membros não basta para que se proscreva todo o partido.
"A política se encontra numa camisa de força jurídica": assim juristas alemães de renome descrevem a situação. Uma alternativa desesperada é a tentativa de cortar os meios financeiros do NPD. Afinal de contas, o partido de extrema direita recebeu até mesmo verbas estatais por todos os votos recebidos nas eleições estaduais e federais, assim como subsídios proporcionais ao número de seus filiados, como cabe a todos os partidos. Desse modo, o NPD recebeu recentemente 1 milhão de euros.
Uma proibição do NPD tem, assim, que ser muito detalhadamente preparada – bem melhor do que em 2003. Os governadores e senadores dos estados de Berlim, Bremen, Renânia Palatinado, Saxônia-Anhalt e Schleswig Holstein querem dar um primeiro passo nesse sentido: na próxima segunda-feira pretendem apresentar uma coletânea de material comprometedor relativo ao grupo radical de direita.
Autor: Wolfgang Dick (av)
Revisão: Alexandre Schossler