Prêmio Sakharov é "alegria amarga", diz ativista venezuelana
26 de outubro de 2017A ativista Patricia Betancourt saudou a entrega do Prêmio Sakharov para a oposição venezuelana, mas disse que "há amargura e felicidade ao mesmo tempo" com a escolha feita pelo Parlamento Europeu.
"Premiar a Assembleia, neste momento, não deixa de ser uma alegria para nós, mas o prêmio chega num momento em que os cidadãos não o recebem da mesma maneira como se tivesse sido há um ano", declarou em entrevista à DW, nesta quinta-feira (26/10).
Segundo ela, depois do fracasso nas eleições para governador, a classe política opositora na Venezuela ficou mal com os cidadãos. "Suas estratégias foram postas em dúvida, pois serviram para que o oficialismo ganhasse terreno."
Betancourt é presidente da organização VenEuropa, que tem sede em Bruxelas e, segundo seu próprio site, luta pela liberdade e democracia na Venezuela.
DW: A Assembleia Nacional da Venezuela e a oposição política receberam o Prêmio Sakharov 2017. Vocês, como plataforma da sociedade civil, lutaram durante anos por essa distinção. Como se sentem?
Patricia Betancourt: Indiscutivelmente nos sentimos alegres. Mas é uma alegria um tanto amarga porque a situação política venezuelana está num momento de decomposição. VenEuropa passou anos lutando e fazendo lobby para que os ativistas venezuelanos e as vítimas das violações dos direitos humanos ganhassem esse prêmio, mas a situação de desconfiança que enfrentamos depois das eleições para governador faz com que o prêmio seja recebido com uma mescla de alegria e tristeza.
Por que desconfiança?
Depois do terrível fracasso nas eleições para governador, a classe política opositora na Venezuela ficou mal com os cidadãos. Suas estratégias foram postas em dúvida, pois serviram para que o oficialismo ganhasse terreno. Apesar do pedido dos cidadãos, em 16 de julho, de pôr a troca da CNE [Conselho Nacional Eleitoral] como condição para a realização das eleições. Os dirigentes da oposição não respeitaram isso.
Porém, a oposição que, na sua opinião, os traiu não se encontra entre os que receberam o Prêmio Sakharov. O prêmio foi concedido a Julio Borges, da desautorizada Assembleia Nacional, e a certos presos políticos que não aceitaram a nova Assembleia Nacional Constituinte.
O problema com a Assembleia Nacional é que ela aceitou que se levasse a cabo essa eleição para governadores, que era um suicídio. Agora, duas Assembleias convivem no mesmo edifício. O fato de [a Assembleia Nacional] ter aceitado a realização das eleições para governador dá mais poder à Assembleia Nacional Constituinte, ilegalmente constituída pelo regime, que à Assembleia eleita com ampla participação dos cidadãos.
Premiar a Assembleia, neste momento, não deixa de ser uma alegria para nós, mas o prêmio chega num momento em que os cidadãos não o recebem da mesma maneira como se tivesse sido há um ano.
Uma nomeada anterior ao Prêmio Sakharov saiu da lista de premiados: María Corina Machado. Como se pode entender isso?
María Corina representa esse grupo de políticos que não estava de acordo com a realização das eleições para governadores, tal como estavam planejadas. Creio que estão premiando a Assembleia Nacional, e María Corina está desautorizada pelo governo. Colocaram Julio Borges porque é o presidente da Assembleia Nacional. Se tivesse sido um personagem muito controverso neste momento, como Henry Ramos Allup. Depois vêm os presos. Por isso, nesta nomeação, não haveria por que incluí-la.
A senhora acredita que o Prêmio Sakharov para a Assembleia Nacional, a oposição venezuelana e os presos políticos vai unir de novo a oposição?
É o que nós, venezuelanos, chamamos de um arroz com manga. Há duas frações muito distintas: estão premiando os dois lados. Dando o prêmio à Assembleia Nacional – que ostenta o poder que lhe foi outorgado pelos cidadãos – premia-se também aos chavistas, que, apesar de terem se retirado para a Assembleia Nacional Constituinte, também foram eleitos. Não há uma clareza na redação do Prêmio Sakharov que diga: a Assembleia Nacional formada pela oposição. Por outro lado há os presos políticos, como Antonio Ledezma, que não estiveram de acordo com as eleições.
Por isso há amargura e felicidade ao mesmo tempo. Quem não ficaria feliz de ver Andrea González e Yon Goicochea premiados? São dois presos políticos europeus pelos quais temos lutado muito.
Por tudo isso, quero entender que incluíram a Assembleia para que a Venezuela democrática ganhasse o prêmio. Assim o entendemos, assim o aceitamos, e desta maneira nos alegramos.