Cuba
24 de fevereiro de 2009Muitas esperanças de mudanças em Cuba devido à chegada de Raúl Castro ao poder acabaram frustradas, avaliou o cientista político Bert Hoffmann, especialista em Cuba do Instituto Alemão de Estudos Globais (Giga), em entrevista à Deutsche Welle.
"Houve um clamor por mais debate, mas ele acabou caindo totalmente por terra", afirmou. "O mesmo aconteceu na economia." Para Hoffmann, as reformas econômicas não avançam em Cuba porque "Raúl Castro dá prioridade à coesão das elites e, em troca, tem de aceitar que as reformas não saiam do chão mais rapidamente".
Mas ele vê mudanças no discurso político, que teria se tornado mais realista com o novo governo. "Raúl Castro fala das necessidades das pessoas, dos salários que continuam insuficientes."
Hoffmann vê ainda sinais de aproximação entre Cuba e os Estados Unidos e disse acreditar que o embargo econômico será mantido, porém atenuado.
Raúl Castro assumiu a presidência de Cuba há um ano, em 24 de fevereiro de 2008. Ele é irmão de Fidel Castro, que se manteve à frente do regime ditatorial cubano de dezembro de 1959 a fevereiro de 2008.
Deutsche Welle: Em vez de um Castro, Cuba tem agora dois. Esse poderia ser o resumo da situação na ilha um ano após Raúl Castro assumir como chefe de Estado?
Bert Hoffmann: Não. Raul Castro é de fato o sucessor e o poder está com ele. Fidel continua lá, tem uma certa presença na mídia, ocupa uma posição da qual pode de vez em quando dar palpites, recebe visitas de [Hugo] Chávez. Mas houve uma sucessão regular e Raúl Castro é o novo chefe de Estado, em relação a isso não há dúvidas.
As constantes notícias de esportistas que abandonam Cuba são um sinal de que pouco mudou no país no último ano?
Alguma coisa mudou, mas não num grau relevante para os vencimentos de um esportista profissional. Um jogador de beisebol ou um boxeador que deixa o país pode ganhar muito mais numa liga profissional [estrangeira] do que em Cuba. Por outro lado, esportistas de ponta vivem comodamente em Cuba, num nível bem acima do resto da população. Hoje existem também uma série de facilidades e possibilidades de ganhar e gastar em dólar, o que para muitos, inclusive artistas e músicos, torna possível, digamos assim, um exílio no próprio país. Nesse ponto, a tolerância é claramente maior do que antigamente.
Quais facilidades surgiram no último ano para a população cubana de um modo geral?
Primeiro, houve uma mudança do discurso político, ou seja, da maneira como a política se dirige ao povo. Nos últimos anos sob Fidel Castro, o discurso era triunfalista, voltado para a história. Raúl Castro mudou isso. Falou, primeiramente, das necessidades das pessoas, dos salários que continuam insuficientes, que o país continua numa crise profunda. Esse tipo de realismo se impôs, o que a população recebeu de forma muito positiva.
Ao mesmo tempo, muitas esperanças acabaram frustradas na prática. Houve um clamor por mais debate, mas ele acabou caindo totalmente por terra. Os que posicionaram a favor também foram diminuídos no aparelho [do partido].
O mesmo aconteceu na economia. Havia a promessa de que proibições supérfluas seriam revogadas, o que em princípio indicava uma reforma disfarçada de mercado. Isso não aconteceu. Certamente isso se deve em parte à destruição causada pelos furacões que atingiram a ilha (o que foi a justificativa oficial), mas certamente também à estrutura de poder no aparelho [partidário], onde Raúl Castro precisa buscar o equilíbrio, onde ele – e esta é a minha interpretação – dá prioridade à coesão das elites e, em troca, tem de aceitar que as reformas não saiam do chão mais rapidamente e que a população precisa continuar tendo paciência.
Nesse contexto, qual a importância do apoio financeiro da Venezuela?
Esse apoio é certamente muito importante. Há um acordo de troca com a Venezuela pelo qual os venezuelanos fornecem petróleo e os cubanos, médicos, professores, treinadores esportivos. As condições são extremamente favoráveis para Cuba e isso abriu uma nova fonte de renda: a exportação de serviços. Sem o apoio da Venezuela, a situação em Cuba estaria bem mais precária.
Isso significa que a vitória de Chávez no referendo também foi celebrada em Cuba?
Sim, a saída de Chávez do poder na Venezuela seria uma catástrofe do ponto de vista cubano. Apesar de Raúl Castro, diferentemente de Fidel, conduzir uma política externa baseada na diversificação em vários parceiros. Ele procura manter relações bem melhores do que as de Fidel com regiões moderadas da América Latina. Também procura ter melhores relações com a Europa e com outros países.
Ele sabe que não pode apostar todas as suas fichas na Venezuela, pois isso geraria uma dependência perigosa, ao passo que Fidel Castro entrou [nessa parceria] de forma incondicional e a celebrou como uma aliança para o próximo século.
O que mudou nas relações com os Estados Unidos no último ano?
Primeiramente, há uma cuidadosa posição de espera. Raúl Castro conduziu uma política externa notoriamente moderada, o que sempre pode ser um sinal aos Estados Unidos. Foi manifestada diversas vezes uma disposição para dialogar, o que não resultou em nada concreto. Mas isso pode mudar. Nos últimos dias, houve nos Estados Unidos um desenvolvimento notável, que não partiu nem do presidente Obama, mas dos representantes republicanos no Senado. Eles lançaram uma iniciativa para revisar de forma essencial a política para Cuba, distanciando-a da atual política de isolamento e buscando uma política de cooperação e diálogo.
Essa iniciativa pretende ser suprapartidária. Ainda é apenas um papel, mas, se ela se desenvolver, seria, do ponto de vista cubano, um avanço. Até agora, os sinais mostram que podemos ser cuidadosamente otimistas. Certamente não haverá mudanças da noite para o dia, mas as possibilidades são muito maiores do que há um ano.
Desse documento constam também atenuantes para as sanções econômicas. O embargo será, em breve, história?
Os Estados Unidos já são, apesar do embargo, o quinto parceiro comercial mais importante de Cuba. Há exceções muito importantes ao embargo. No setor de bens alimentícios, os Estados Unidos já são o principal parceiro comercial de Cuba. São fatos que não são muito conhecidos porque nenhum dos dois lados tem interesse em divulgá-los. O que acontecerá é que o embargo continuará sendo atenuado. Mas o embargo em si será mantido.