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Prisão perpétua sem condenação?

(ns)23 de outubro de 2003

Um preso que cumpriu pena e continua detido, por ser perigoso, recorreu ao Tribunal Constitucional. Este deve esclarecer se a "medida cautelar", que pode equivaler à prisão perpétua de fato, é constitucional.

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Penitenciária em Herford, na AlemanhaFoto: DW

Cerca de 300 criminosos condenados encontram-se em penitenciárias alemãs por "medida cautelar" - Sicherungsverwahrung - um conceito que não existe no Direito brasileiro. Isso significa que eles cumpriram suas penas, mas foram considerados por psicólogos e psiquiatras tão perigosos, que sua libertação equivaleria a um grande risco para a sociedade.

Até 1998, a lei previa um prazo máximo de dez anos dessa detenção especial para réus primários que já houvessem cumprido a pena. A partir de então, o limite foi abolido. Com isso, pelo menos teoricamente existe a possibilidade de um preso permanecer o resto de sua vida na cadeia, sem haver sido condenado à prisão perpétua.

Direito à liberdade x segurança da população

A questão ocupa, a partir de hoje, os juízes do Tribunal Federal Constitucional, a máxima instância da jurisprudência na Alemanha. Eles terão que considerar também outro aspecto do problema: em que medida são confiáveis os pareceres psicológicos que avaliam o risco de reincidência do crime. A sentença, num assunto tão complexo, não é esperada antes do fim do ano.

O que o Tribunal tem que decidir, concretamente, é se a lei federal da "medida cautelar" viola a dignidade humana e o direito civil à liberdade; e também se ela pode ser aplicada a "casos antigos", isto é, a pessoas julgadas antes da mudança da lei, em 1998.

A introdução sorrateira da prisão perpétua

O processo foi movido por um homem, hoje com 46 anos, com um longo registro policial, que foi condenado em 1986 a cinco anos de prisão por tentativa de homicídio e "medida cautelar" a seguir. Em 1991, ele cumprira a pena, e se o prazo máximo fosse de dez anos, ele teria que haver sido libertado em 2001. Com a mudança da lei, ele permanece preso até hoje. Segundo seu advogado, Bernhard Schroer, a medida cautelar sem limite máximo "equivale à introdução da prisão perpétua na surdina".

Russlanddeutscher im Gefängnis in Herford
Prisioneiro em Herford, onde cumprem pena principalmente jovens russos com cidadania alemãFoto: DW

O Estado não pode reduzir de forma tão maciça o direito de liberdade de um prisioneiro, e de forma retroativa, afima Schroer. A constituição alemã proibe que leis tenham efeito retroativo. Se não se pode nem cobrar uma multa posteriormente, por que será possível mantê-lo detido, se seu julgamento foi anterior à mudança da lei? O argumento tem sua lógica.

A avaliação do grau de perigo

Na primeira audição, nesta quarta-feira (22), o secretário adjunto do Ministério da Justiça, Hansjörg Geoger, defendeu a posição do governo e a emenda à lei que elimina um limite para a Sicherheitsverwahrung. "A sua duração deve se orientar pela periculosidade do detido", afirmou, acrescentando que ela não é uma pena, no sentido legal, e sim uma medida preventiva. Ela só deve ser empregada em casos excepcionais, como último recurso a fim de proteger a população de criminosos altamente perigosos.

Peritos expuseram em Karlsruhe, a sede do Tribunal, que na prática há pouca diferença entre os prisioneiros "normais", que cumprem pena, e os que estão sob "medida cautelar". Ambos são obrigados a trabalhar na penitenciária, por exemplo, não havendo prisões especiais para os últimos.

Avaliação psicológica e o medo de errrar

Já os catedráticos de psiquiatria Andreas Marneros e Norbert Neodophil queixaram-se da inexperiência e da qualificação insuficiente de muitos peritos que decidem sobre a periculosidade dos prisioneiros. Casos de estupradores e assassinos que obtiveram liberdade após cumprir pena e tornaram a cometer crimes deixaram muitos revoltados contra os autores dos pareceres.

A pressão da opinião pública e o crescente número de pessoas em medida cautelar não ajudaram a melhorar esses prognósticos, pelo contrário. "Quem faz uma previsão afirmando que a periculosidade continua, não corre nenhum risco, pois o preso continua na penitenciária e não há como o perito se equivocar. Psicólogos inseguros e no início da carreira tendem a deixar alguém na prisão, mesmo havendo boas chances de ele não reincidir no crime, só para não arriscar um resultado negativo e ver seu nome no jornal", observou Neodophil.