Processo contra irmã do rei pode devolver credibilidade à coroa espanhola
23 de dezembro de 2014Muitos espanhóis esperam pela véspera de Natal de forma mais impaciente que de costume, ansiosos pelo tradicional discurso de Natal de seu rei. Não só porque será o primeiro do novo monarca, mas também porque eles querem saber se Felipe 6° se pronunciará sobre o escândalo de corrupção que, desde 2011, envolve sua irmã e o marido dela.
Nesta segunda-feira (22/12), o caso ganhou um novo patamar: a infanta Cristina de Bourbon tem agora que realmente se sentar no banco dos réus, acusada de cumplicidade em evasão fiscal.
Não é esperado que o rei proteja a irmã em seu discurso. Pois, considerado alguém íntegro, Felipe luta desde que assumiu o trono, em junho de 2014, por mais transparência na política. "Há anos Felipe se distanciou de Cristina e do marido dela", recorda a jornalista Carmen Enriquez, que acompanhou, como correspondente, a família real espanhola por 37 anos.
A infanta, de 49 anos e duquesa de Palma, é suspeita de saber das atividades ilícitas do marido, Iñaki Urdangarín. O ex-jogador de handebol é um dos principais acusados num processo de corrupção no qual cerca de 20 pessoas são indiciadas. Eles supostamente desviaram 4 milhões de euros de uma fundação que Urdangarín dirigiu entre 2004 e 2006.
No início, parecia que Cristina seria poupada de um processo, pois tanto as autoridades anticorrupção quanto as fiscais abstiveram-se de acusar a duquesa, embora ela fizesse parte do conselho de administração da empresa no momento em que o dinheiro teria sido desviado. Mas o juiz responsável, José Castro, exigiu que ela fosse indiciada. Ele parte do princípio de que a infanta tem que ter tido conhecimento dos alegados negócios ilícitos do marido.
O casal corre o risco de ser condenado a longas penas de prisão. O sindicato anticorrupção Manos Limpias exige 19,5 anos para Urdangarín e oito anos para a Infanta Cristina.
Crise de confiança na Espanha
O julgamento de Cristina, número seis da sucessão monárquica espanhola, ocorre num momento difícil, não só em relação às perspectivas econômicas para a Espanha. Cada vez mais espanhóis se convencem de que toda a classe política no país enriquece às custas da população. Atualmente, cerca de 1.700 casos de corrupção estão sendo investigados no país.
Os casos envolvem sobretudo os dois principais partidos do país, o social-democrata PSOE e o conservador PP. Nas pesquisas de opinião, eles vêm perdendo votos quase de semana a semana.
Quem ganha com isso é o partido de esquerda Podemos, cujo líder Pablo Iglesias não perde nenhuma oportunidade de apontar as falhas dos grandes partidos. E ele tem tido sucesso. O Podemos foi fundado há menos de um ano, e já registra um quarto das intenções de voto em pesquisas, se posicionando como a segunda maior força política, quase empatada com o governista PP.
A fraqueza política do partido do governo se soma ao separatismo que se fortalece. No início de novembro, partidos catalães realizaram um referendo, considerado inconstitucional, sobre a independência da Catalunha da Espanha, sem a intervenção do governo central.
Luta contra a corrupção
Antes, a monarquia era considerada uma força estabilizadora da jovem democracia na Espanha, pois o pai de Felipe, o rei Juan Carlos 1°, havia liderado a transição da ditadura de Franco à democracia. Depois que ele conseguiu evitar um golpe militar em 1983, até os republicanos convictos reconheceram o papel positivo da monarquia.
Entretanto, a reputação do rei foi abalada pelas investigações do escândalo de corrupção envolvendo sua filha e pelas repercussões negativas de uma viagem luxuosa do monarca para caçar elefantes na África, em plena crise financeira espanhola.
Em junho de 2014, Juan Carlos abdicou em favor de seu filho. Desde então, Felipe tenta recuperar, através da luta contra a corrupção, a confiança perdida na monarquia constitucional, apostando sobretudo na transparência. Recentemente, ele proibiu caros presentes de Natal de indivíduos para membros da família real e anunciou que publicará em janeiro uma lista com todos os presentes.
Agora se espera com grande expectativa pelo posicionamento do monarca em relação ao julgamento da irmã. Afinal, uma condenação da infanta daria razão àqueles que sempre afirmaram que há corrupção na família real. Por outro lado, "um julgamento limpo daria credibilidade à luta de Felipe contra a corrupção", diz Enríquez.