Protestos e greve por tragédia em mina agravam crise política para Erdogan
15 de maio de 2014Após o pior acidente numa mina de carvão na história da Turquia, causando mais de 280 mortes, as atenções se concentram no governo em Ancara. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan classificou a catástrofe em Soma como risco inevitável da mineração e apontou para outros desastres – ainda que os seus exemplos se remontassem ao século 19.
"Estas coisas acontecem", comentou o político conservador de 60 anos. E até agora não há sinais de que ele cederá às exigências dos sindicalistas pela renúncia dos ministros do Trabalho, Faruk Celik, e Energia, Taner Yildiz.
Em sua visita ao local do acidente, na quarta-feira, Erdogan se confrontou com uma multidão furiosa, ainda mais exacerbada por suas declarações sobre a tragédia.
"Renuncia, premiê!", bradavam os manifestantes; alguns chutaram o veículo oficial. Ele teve que buscar abrigo num supermercado e, segundo a imprensa local, interrompeu o evento, sem ir visitar os mineiros feridos no hospital, como programado.
Houve protestos em outras partes da Turquia. Em Izmir, no oeste do país, a polícia investiu nesta quinta-feira (15/05) contra cerca de 20 mil ativistas com gás lacrimogêneo e canhões d'água. Diversos sindicatos convocaram paralisação nacional de 24 horas. Já na noite da véspera, nas metrópoles Ancara e Istambul, milhares exigiam a renúncia do premiê – e foram igualmente reprimidos pelas forças de segurança.
"As pessoas não têm coração de pedra"
Parte da imprensa turca também condena Erdogan com severidade. Segundo o jornal Taraf, de oposição, suas "palavras inacreditáveis". Seu assessor Yusuf Yerkel deu margem a manchetes ainda mais negativas, ao chutar um manifestante em Soma, que estava caído no chão e contido por policiais. As imagens e comentários indignados correram o mundo, também em redes sociais como o Twitter.
Os cidadãos que hostilizaram Erdogan durante sua visita são – até agora – os eleitores típicos do Justiça e Desenvolvimento (AKP), o partido liderado pelo chefe de governo: operários e pequenos artesãos, de atitude basicamente conservadora. Nas eleições municipais do fim de março último, o AKP obteve 43,3% dos votos em Soma, o exato equivalente à média nacional.
O economista Mustafa Sönmez está convencido que a explosão em Soma terá repercussões políticas em Ancara. Como declarou em entrevista à DW, são negativos para o AKP não só o grande número de vítimas, mas também as acusações de negligência quanto à segurança e o fiasco público de Erdogan após o acidente: "O eleitorado do AKP também vai começar a refletir. Afinal, as pessoas não têm coração de pedra."
Polarização entre eleitorado turco
Para Erdogan, o desastre vem numa hora crítica. Nas próximas semanas, ele deverá divulgar se concorre nas eleições presidenciais de agosto. Desde a vitória do AKP nos pleitos municipais, é tida com praticamente certa a candidatura do premiê para o cargo mais alto da política turca. Segundo a imprensa nacional, ele só hesita em anunciar a candidatura por estar providenciando seu sucessor na liderança do AKP.
Não se sabe se ele próprio espera consequências negativas do acidente de Soma para sua campanha presidencial. Do ponto de vista do pesquisador de opinião Adil Gür, contudo, o político não precisa se preocupar demais, pois não deverá haver qualquer influência.
Já há alguns anos, avalia Gür, o eleitorado turco é "incrivelmente polarizado", e por isso a maioria dos adeptos do AKP permanecerá fiel ao partido, mesmo depois da tragédia da mina de carvão. Como confirmação, ele lembra que mesmo as graves acusações de corrupção contra o atual governo em nada alteraram a posição do partido de Erdogan na preferência dos votantes.
Além disso, do ponto de vista de seus correligionários, o primeiro-ministro tomou decisões acertadas. "Decretar três dias de luto nacional: isso agradou bastante os cidadãos", registra o pesquisador de opinião turco.