Protestos podem ser início de nova "Primavera Russa"
27 de março de 2017Há três anos, "Primavera Russa" foi um slogan de batalha do movimento separatista pró-Rússia na Crimeia e no leste da Ucrânia. Depois dos protestos deste domingo (26/03) na Rússia, ele poderá ganhar um novo significado, que, ao contrário do anterior, não deverá agradar ao Kremlin.
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Imagens como as registradas em Moscou e Vladivostok não eram vistas havia cinco anos na Rússia. Milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o governo. Centenas foram detidas. Em Moscou, o protesto não havia sido autorizado. Principalmente jovens seguiram o chamado do líder oposicionista Alexei Navalny, que acusou o primeiro-ministro Dimitri Medvedev de corrupção. O próprio Navalny está entre os detidos. Um tribunal o condenou nesta segunda-feira a 15 dias de prisão e a pagar uma multa de cerca de 300 euros.
A nova onda de protestos começou no ponto onde a anterior parara, em maio de 2012. Na época, pouco antes de Vladimir Putin assumir pela terceira vez a presidência, centenas de opositores saíram às ruas de Moscou, no ápice de um movimento de meses, na maioria das vezes pacífico. Naquele mês, porém, a situação se acirrou, e muitos manifestantes foram detidos e condenados. Como resultado, a onda de protestos motivada pela decisão de Putin de retornar ao Kremlin se extinguiu.
O homem por trás dos protestos
Agora a Rússia está de novo diante de uma eleição presidencial, daqui a um ano, e Putin deve se candidatar mais uma vez. Navalny, que entre o fim de 2011 e o início de 2012 ajudou a deflagrar a maior onda de protestos da história recente do país, planeja ser seu oponente. O opositor anunciou sua candidatura já em dezembro. Não está claro, porém, se ele poderá concorrer.
Em fevereiro, um tribunal o considerou culpado num caso de crime econômico, o que encerra suas pretensões presidenciais. Navalny recorreu da sentença, mas deixou claro não acreditar na Justiça russa ao levar o caso para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo.
Navalny, de 40 anos, ficou famoso como blogueiro e por combater a corrupção. Ele é o político russo que melhor sabe utilizar as redes sociais. No início de sua carreira, costumava usar tons nacionalistas, o que lhe rendeu críticas. Nas urnas, seu melhor desempenho foi a eleição para a prefeitura de Moscou, em 2013. Navalny ficou em segundo lugar, com mais de um quarto dos votos.
Nos últimos tempos, ele chamou a atenção com revelações sobre supostos casos de corrupção governamental, difundidas nas redes sociais por meio de documentários bem elaborados.
"Corrupção é o assunto que mais mexe com a opinião pública, é o tema político mais importante", disse Navalny em setembro de 2016, em entrevista à DW. Na época, ele se queixou indiretamente de que era difícil mobilizar as pessoas na Rússia.
Agora, porém, a situação parece que mudou. O mais recente filme de Navalny, sobre Medvedev, foi visto por mais de 12 milhões de pessoas. No documentário, Navalny acusa o primeiro-ministro de enriquecimento ilícito por meio de uma rede de fundações, incluindo propriedades como palácios, vinhedos e iates. Medvedev não respondeu às acusações. A porta-voz dele disse que o filme é parte da campanha eleitoral.
Não está claro se isso vai ajudar Navalny. Segundo o renomado instituto de pesquisas Levada-Center, apenas 10% dos russos disseram ter intenção de votar nele. Esse percentual não oferece nenhum perigo para Putin, cujos índices de aprovação giram há anos em torno de 80%.
Jovens contra Putin
Na Rússia, muitos se perguntam como Navalny consegue mobilizar tantas pessoas para os protestos, principalmente jovens. É visível que a simpatia por ele e as críticas ao governo crescem nesse grupo, também nas províncias.
Há alguns dias, a detenção de um estudante causou sensação na cidade de Briansk. Depois do incidente, a diretora da escola local conversou com os alunos da turma, e uma gravação sigilosa da conversa viralizou nas redes sociais. Nela, um estudante afirma que é contra o partido governista Rússia Unida.
"Então você acredita que a vida ficou pior com Putin e Medvedev?", questiona a diretora, em tom de surpresa. "Não", responde o aluno. "Eles só estão há muito tempo lá em cima."
Os manifestantes do último domingo são jovens que nasceram ou viveram grande parte de sua vida na era Putin. "Mesmo que não houvesse motivos para críticas, eles ficariam irritados com Putin porque ele está lá há muito tempo", comenta o jornalista Oleg Kashin.
Degelo à vista?
Os protestos do último domingo não são a única surpresa relacionada ao filme de Navalny. Pouco antes e de forma quase despercebida veio a notícia de que os comunistas no Parlamento russo querem investigar as denúncias contra Medvedev.
Um procedimento como esse contra o chefe de governo era quase inimaginável na Rússia. Os comunistas são um partido de oposição apenas no papel e são conhecidos por seguir uma linha política que atende aos interesses da liderança do Kremlin. Por isso, alguns observadores se perguntam se Putin estaria interessado em afastar Medvedev.
O primeiro-ministro já foi apontado como um possível sucessor de Putin, como alguém que sabe esperar pela sua hora e que implementa uma política liberal. Ele é comparado ao antigo líder soviético Nikita Khrushchev, que seguia uma linha de degelo político.
Nas últimas semanas, círculos oposicionistas russos discutiram se estaria havendo um possível degelo em questões internas. O motivo foram algumas decisões amenas da normalmente rígida Justiça russa. Alguns ativistas e críticos do Kremlin foram libertados da cadeia. Para Kashin, a maneira como a Justiça vai lidar com os manifestantes detidos neste domingo vai mostrar se o degelo é real.