"Proximidade entre Lula e indicado ao STF não é demérito"
1 de março de 2023Daqui a dois meses, em maio, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), irá se aposentar, abrindo espaço para a primeira indicação à corte no atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um dos cotados para essa primeira vaga é Cristiano Zanin, de 47 anos, advogado de Lula em seus processos no âmbito da Operação Lava Jato. Uma segunda vaga também será aberta em outubro, com a aposentadoria da atual presidente do STF, Rosa Weber.
A proximidade dessas indicações tem sido tema de conversas no meio jurídico, e o nome de Zanin divide opiniões. Ministro do STF de 2003 a 2012 e presidente do tribunal de 2010 a 2012, Cezar Peluso diz em entrevista à DW que uma eventual indicação do advogado do presidente para uma vaga na corte não é demeritória, mas projeta que o petista pode vir a sofrer desgaste político se isso ocorrer.
"Vai atrair críticas para sua gestão, ainda que o presidente tenha liberdade para fazer essas indicações", diz Peluso, que foi indicado ao Supremo no primeiro mandato de Lula. O nome indicado pelo presidente da República precisa ser sabatinado e aprovado pelo Senado para assumir a vaga.
Ele avalia ainda que as futuras indicações à corte não deverão contribuir para a formação de correntes ideológicas, como existem na Suprema Corte dos EUA, onde indicados por presidentes democratas e republicanos têm posições claramente antagônicas. Isso teria ocorrido, porém, se Jair Bolsonaro tivesse sido reeleito, diz Peluso.
"Bolsonaro tentou reproduzir a lógica norte-americana com as escolhas de Kássio Nunes e André Mendonça, que são dois juízes declaradamente conservadores e que fazem uma oposição residual aos outro nove ministros da corte", afirma.
O ex-ministro também analisou decisões recentes de Alexandre de Moraes envolvendo os atos golpistas do 8 de Janeiro, como o afastamento do governador do DF, Ibaneis Rocha, e a transferência das investigações de atos cometidos por militares da Justiça Militar para o Supremo, a pedido da Polícia Federal.
"Se estivéssemos em um clima de ambiente político institucional absolutamente normal, eu diria que algumas decisões do Supremo, e não apenas do ministro Alexandre de Moraes, poderiam ser questionadas. Não sabíamos o que poderia ter acontecido com a democracia brasileira, para além do ato abominável do 8 de Janeiro, se o ministro Alexandre de Moraes não tivesse feito o que fez."
DW: O presidente Lula fará duas indicações ao Supremo em 2023. A primeira em maio, com a saída de Ricardo Lewandowski, e outra em outubro, na vaga de Rosa Weber. Qual é o peso dessas duas escolhas para o futuro do Supremo?
Cezar Peluso: Acredito que duas nomeações não são suficientes para redefinir o pensamento da corte. São importantes, na medida em que o presidente da República possa nomear dois juízes à altura das exigências do Supremo. Mas, em termos de mudança de direção geral da corte, não creio que neste momento seja decisivo.
Não há dentro do Supremo atual um perfil ideológico definido, nem mesmo grupos que atuem para essa ou aquela ideologia, como acontece nos EUA, onde há um antagonismo tradicional entre republicanos e democratas. Os ministros que compõem o STF atualmente ora votam em algumas matérias de maneira mais liberal, às vezes de modo mais conservador. Olhando de fora, porque já não estou mais inserido no dia a dia do tribunal, me parece que Bolsonaro tentou reproduzir a lógica norte-americana com as escolhas de Kássio Nunes e André Mendonça, que são dois juízes declaradamente conservadores e que fazem uma oposição residual aos outro nove ministros da corte.
Entre os nomes cotados para uma das vagas está o de Cristiano Zanin, advogado de Lula nos últimos anos. A proximidade de ambos é um problema em uma eventual indicação? Isso pesa na escolha?
Na verdade, no primeiro mandato do presidente Lula, foi ao contrário. Nunca tive nenhuma relação com o Lula e fui nomeado por ele. A minha nomeação foi influenciada mais pelo então ministro da Justiça, o Márcio Thomaz Bastos. Jamais tive qualquer proximidade com o presidente ou com o Partido dos Trabalhadores. Isso também foi reproduzido em outras escolhas de Lula para o STF, os ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa.
Por outro lado, é preciso ressaltar que a proximidade entre o indicado e o presidente da República não é um demérito. O Celso de Mello [ex-ministro aposentado em outubro de 2020] foi indicado quando estava no gabinete do então ministro da Justiça, Saulo Ramos. Ele não era amigo íntimo, mas o Sarney conhecia o trabalho do Celso de Mello. O caso do Zanin não é inédito, mas pelo que tenho visto é que a nomeação dele [Zanin] seria em decorrência da sua atuação na Lava Jato e na época mais difícil do Lula.
Essa proximidade é um problema?
Para mim, não. Mas para o presidente pode ser um problema político. Ele pode, com essa nomeação, atrair muitas críticas para a sua gestão, ainda que o presidente tenha liberdade para fazer essas indicações. Está na lei. Nos EUA, os democratas estão ferozes com as indicações do Trump. Faz parte.
A política tem peso maior do que critérios técnicos na escolha de um ministro do STF? Há como melhorar ou torná-lo mais transparente?
Há um exagero aí, não é assim. Não é um sistema de escolha perfeito, mas também não o considero ruim. Um dos problemas está no fato de o Senado não exercer com rigidez o controle das indicações. E defendo algo semelhante ao que acontece na Argentina, quando o escolhido pelo presidente é levado ao escrutínio público [um decreto presidencial de 2003 determina que o candidato seja entrevistado em programas de televisão e tenha o currículo analisado pela sociedade civil]. Isso também é uma forma de controle social que pode ser benéfico aqui no Brasil. Mas o principal é o Senado, que muitas vezes parece não estar preocupado em realizar uma sabatina que de fato examine as qualidades do indicado.
Como o senhor analisa a situação do Supremo pós-governo Bolsonaro e a diminuição do acirramento entre Executivo e Judiciário?
O Supremo foi muito atacado nos últimos quatro anos. Não só atacado, como desprestigiado. Foram ataques organizados e orquestrados pelo ex-presidente da República, por ministros, e isso influiu na imagem do STF. Evidentemente, as pessoas que atacavam o Supremo continuam aí e elas não vão deixar de existir. O que me parece é que as condições político-institucionais que ajudavam a atacar o Supremo desapareceram.
Assim, a atuação da corte fica um pouco mais resguardada, as decisões ficam menos reativas e distantes de uma suposta ortodoxia decorrente de momentos extremos. Tudo indica que esse acirramento não deve ressurgir. O que pode acontecer, e isso faz da dinâmica da democracia, é que o Executivo ou o Legislativo podem não ficar contentes com essa ou aquela decisão. Mas é uma insatisfação longe do que vimos nos últimos anos.
Qual a sua opinião sobre mandatos com tempo estipulado?
Não tenho nada contra e não vejo problema no debate. Há um fato objetivo, tirando a tendência norte-americana onde há vitaliciedade de fato, de que os ministros das Supremas Cortes têm mandatos. Isso acontece em Portugal, na Espanha, Alemanha... Às vezes, sete, oito ou nove anos para exercer o mandato específico. Acho a discussão válida. Eu, por exemplo, fiquei no STF por nove anos e fiz o que podia fazer dentro das minhas limitações. Pode ser algo razoável para pensarmos na constituição da corte.
Como ex-ministro, qual a avaliação do senhor sobre a atuação do ministro Alexandre Moraes e as críticas que ele recebe por algumas de suas decisões, como o afastamento do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), após os atos golpistas de 8 de janeiro?
Precisamos distinguir algumas coisas. Se estivéssemos em um clima de ambiente político institucional absolutamente normal, eu diria que algumas decisões do Supremo, e não apenas do ministro Alexandre de Moraes, poderiam ser questionadas. Um exemplo é o famoso inquérito das fake news aberto pelo Dias Toffoli [em março de 2020, Toffoli abriu inquérito sem ser provocado pela Procuradoria-Geral da República e entregou a relatoria das investigações a Alexandre de Moraes. Posteriormente, em junho do mesmo ano, a corte julgou a abertura do inquérito legal].
Em um quadro normal, uma atitude como essa a crítica seria geral. E eu concordo que isso extravasa um pouco os limites do Supremo. Mas a situação era de ameaças dos mais variados tipos, então houve uma excepcionalidade justificada pelos atos em si. Não sabíamos o que poderia ter acontecido com a democracia brasileira, para além do ato abominável do 8 de janeiro, se o ministro Alexandre de Moraes não tivesse feito o que fez.
Moraes, inclusive, tirou da Justiça Militar as investigações de membros das Forças Armadas envolvidos nos atos do 8 de Janeiro, a pedido da Polícia Federal. Segundo coluna do jornal O Globo, o gesto foi visto como afronta pelos militares. Como vê a relação do Supremo com as Forças Armadas a partir de agora?
Não vejo com preocupação. Isso faz parte do nosso quadro constitucional. É função do Supremo definir a interpretação da lei e da Constituição. Instituições privadas e públicas, como o Exército, podem divergir. Mas a crítica é permitida no sistema democrático. E só. O Supremo não pode abdicar do poder que ele tem.
Essa decisão isolada do Alexandre de Moraes, que ainda não foi avaliada em plenário, faz uma distinção que tem fundamento. A competência da Justiça Militar é para julgar crimes militares, e não para julgar crimes que não são militares supostamente praticados por militares. É isso que ele quer dizer e está correto. Se um militar mata a sua esposa esse crime não deve ser julgado pela Justiça Militar. É preciso ter sensatez para analisar se a reação não é meramente corporativa ou se há algum embasamento jurídico. E o fato de ir para o STF, em tese, não significa nada de especial. Ou quer dizer que o Supremo é mais rigoroso que a Justiça Militar? Ou que a Justiça Militar é mais benigna com os seus? No fundo, se for isso, é um argumento triste, porque quer dizer que há uma leniência, algo que não acredito.