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Publicação das anotações de João Paulo 2° gera controvérsia na Polônia

Anna Maciol (ca)6 de fevereiro de 2014

Cardeal polonês Stanisław Dziwisz, secretário de longa data de João Paulo 2°, publica em livro anotações do papa falecido em 2005. Segundo testamento do pontífice, essas notas deveriam ter sido queimadas.

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Foto: picture-alliance/dpa

O título da publicação, em tradução livre, é Estou nas mãos de Deus. Anotações pessoais 1962-2003. Nela, revela-se um lado até agora desconhecido do papa polonês João Paulo 2° (1920-2005). O livro foi publicado pela editora católica Znak e pela diocese de Cracóvia. Embora só tenha sido posto à venda nesta quarta-feira (05/02), já provocou muita controvérsia. Em seu testamento, o papa havia determinado que "todas as anotações pessoais deveriam ser queimadas".

Mas o executor do testamento, o secretário de longa data, amigo de João Paulo 2° e atual cardeal de Cracóvia, Stanisław Dziwisz, diz ter tomado a "decisão consciente" de publicar os manuscritos para evitar que fossem esquecidos.

"Destruímos o que deveria ter sido destruído. Eu não queimei as outras anotações porque elas são a chave para a compreensão da essência e da espiritualidade do papa e também daquilo que é mais íntimo de uma pessoa: a sua relação com Deus, com as outras pessoas e consigo mesmo", escreve o cardeal, no prefácio do livro.

Nas mãos de Deus

As anotações pessoais, feitas por Karol Wojtyla ao longo de 40 anos, documentam a sua vida espiritual e oferecem uma visão sobre os segredos de sua alma. Wojtyla – como bispo, depois como cardeal e finalmente como papa – fez anotações pessoais durante cada um de seus exercícios espirituais. Em seu diário, coletou pensamentos meditativos, situações comoventes e orações. "Retirar da oração a força para o trabalho", anotou o papa, por exemplo, em determinada passagem.

Polen Johannes Paul II. Stanislaw Dziwisz
Stanislaw Dziwisz foi secretário do papaFoto: DW/B. Cöllen

Nas anotações, faltam referências diretas em relação a acontecimentos políticos. As notas possuem um caráter puramente espiritual. Assim, João Paulo 2º rezava com frequência para a Virgem Maria, por exemplo. "Recentemente, eu me senti completamente nas mãos de Maria", admitiu. "Eu agradeço a Deus por Jesus Cristo e Lhe peço que Ele esteja sempre comigo, ainda que eu esteja tão fraco", escreveu o papa em outra passagem.

Notizen Johannes Paul II.
Anotações proporcionam uma visão da vida espiritual do papaFoto: Znak Verlag

"Passamos a conhecer um papa que luta com suas fraquezas e que não deixa de confiar em Deus por um só minuto. Vemos um papa cujos momentos mais íntimos são passados com Deus", disse um dos editores da Znak. Nos escritos e anotações, revela-se como o papa trata seus amigos e os funcionários da Igreja. O que mais fica claro, no entanto, é a sua preocupação com a Igreja na Polônia, como também os problemas e os desafios. "Ele entregou todas as suas preocupações, como também a si próprio, às mãos de Deus", constatou o cardeal Dziwisz no prefácio.

As anotações foram publicadas sem edição. Dois cadernos dos manuscritos foram impressos em mais de 600 páginas. Uma equipe de quatro linguistas trabalhou na transcrição do texto. "Esse foi o maior desafio de toda a publicação", disse Artur Czesak, um dos membros da equipe. "Pode-se notar como, devido à idade avançada, a escrita ficou cada vez mais difícil para o papa. Algumas vezes, levamos um dia todo para decifrar uma frase."

Segundo Czesak, o livro é um testemunho impressionante de como o papa era empenhado e de como ele via o seu cargo. "Ele nunca parou de escrever, ainda que as anotações no final de sua vida tenham ficado cada vez mais curtas", sublinhou o linguista.

Discussão acirrada na Polônia

A decisão de Dziwisz surpreendeu a muitos na Polônia. "A publicação contra a vontade do papa foi desrespeitosa", lê-se em um fórum de internet de um portal católico. Alguns clérigos também consideram a publicação imprópria. Na coletiva de imprensa sobre o lançamento do livro, o cardeal Dziwisz rebateu todas as acusações, classificando-as de "exageradas".

O cardeal assinalou que a correspondência pessoal do papa foi queimada e que os escritos publicados continham apenas abordagens e reflexões espirituais. Ele acrescentou que João Paulo 2° organizou ainda em vida os seus assuntos pessoais. Segundo o cardeal de Cracóvia, o papa teria separado tudo o que deveria ser queimado. As anotações publicadas atualmente não estariam entre o material a ser incinerado, disse o cardeal.

Papst Franziskus Bergolglio mit Papst Johannes Paul II
Papa Francisco (d), ainda como arcebispo de Buenos Aires, com o papa João Paulo 2°Foto: picture-alliance/AP Photo

"Uma leitura maravilhosa"

Artur Sporniak, chefe de redação do semanário católico Tygodnik Powszechny, disse estar convencido dos argumentos de Dziwisz. "Não se devem cumprir os desejos de pessoas cujas obras pertencem ao legado da humanidade. É uma leitura maravilhosa. Se tivéssemos queimado essas anotações, teríamos perdido um testemunho de valor inestimável", afirmou Sporniak, que já leu passagens do livro. Segundo ele, o livro mostra a verdadeira essência do papa falecido em 2005.

"As anotações nos proporcionam um testemunho da grandeza do papa, de sua vida e de seu caminho rumo à canonização", resumiu o cardeal Dziwisz. A ironia é que justamente essas anotações desempenham um papel importante na iminente canonização de João Paulo 2° pelo papa Francisco. A receita da venda do livro deverá ser destinada ao financiamento de projetos públicos, entre eles, a construção do Centro João Paulo 2° em Cracóvia. Em breve, o livro estará disponível em outras línguas.