Pé na praia: Herr C e o amor brasileiro
15 de novembro de 2017Herr C estava em uma montanha nos Alpes suíços e falou sobre o Brasil e o amor. Sua história começou bem e terminou mal – tão feio que, para essa coluna, Herr C será chamado apenas de Herr C. Não tenho a menor vontade de chamá-lo pelo seu nome completo e acabar com um monte de problemas. O mesmo vale para o Herr L, que também aparece na história. Herr C e Herr L estão se ofendendo mutuamente desde o começo do mês. Ambos ameaçam chamar a polícia, ir a advogados e tribunais. Temos ainda uma Sra N, cuja identidade não diz respeito a ninguém. Por isso, esta é a história do C, do L e da N.
É assim: Herr C, no final de seus 50 anos, trabalha duro como médico. Fica irritado facilmente com as outras pessoas, e aí perde a paciência e xinga com palavras ásperas. Depois, acho eu, ele se arrepende amargamente. Herr C vive sozinho há anos, desde que se separou. É alemão, mas há alguns anos atrás mudou-se para a Suíça. Agora, ele vive numa altitude de 1300 metros, onde tudo é muito sossegado. Nesta época do ano já está nevando.
Herr C leu um artigo em um jornal que dizia que, no Brasil, algumas mulheres procuram homens europeus com a intenção de se casar. Poderiam ser encontradas em vários sites especializados em casamentos. Herr C concluiu que faltava em sua vida uma mulher brasileira e, assim, dirigiu-se ao Herr L.
Herr L tem uma agência dessas há anos. Também é alemão, mas vive em uma praia tropical. No site do Herr L fica claro que “uma brasileira tem alegria de vida e é magicamente refrescante, mas feminina em sua aparência“. Lá também pode-se ver casamentos felizes: Willi e Marta, Fritz e Fernanda, até que a morte os separe. É um negócio malvisto por muitos, mas não propriamente imoral: no site do Herr L, as mulheres não são “vendidas”, e Herr L não é um cafetão. Ele simplesmente oferece uma mediação.
Herr C olhou as mulheres no site e apaixonou-se pela Sra N. Fez uma remessa de cerca de 2000 reais e, com isso, foi autorizado a escrever e-mails para a bela mulher de 50 anos. A Sra N também era médica, afirmava. Escreveu até mesmo em inglês. Queria conhecê-lo. Herr C escreveu que gostava de comer rib-eye-steaks em seu restaurante preferido na Suíça porque eles têm a beirada de gordura mais saborosa de todas. Depois, ele tomava uma taça de champanhe. A Sra N escreveu para Herr C que queria ir para a Suíça e seria feliz para sempre.
Só que Herr C é uma pessoa desconfiada. Achou estranho que tudo só acontecia via e-mail, e que não conseguia falar por telefone com a mulher brasileira de seus sonhos. Herr C disse para Herr L que pelos 2000 reais ele esperava uma ligação dela, mas não obteve sucesso. Herr L disse para Herr C que ele deveria pagar os custos de uma passagem aérea até a Suíça (5500 reais) e mais uma taxa de mediação (8000 reais). Então teve todo tipo de problema com o dinheiro. Herr C, ressabiado, não quis pagar esta última taxa. Outras transferências foram extraviadas, houve muitos e-mails, exigências de dinheiro e exigências de devolução de dinheiro. A Sra N nunca foi ter com o Herr C.
“Herr C, como você se comporta, é inacreditável”, escreveu Herr L. “Já pensou que criaturas como o senhor são os monstros verdadeiros da humanidade?”, respondeu Herr C. Então dirigiu-se a mim, o correspondente do jornal alemão Die Zeit no Brasil. Há alguns meses, eu havia escrito sobre este tema. Herr C me ligou e disse que estava muito decepcionado com a sua experiência e que tinha muitas dúvidas. Tinha sido realmente a Sra N quem escreveu em um inglês tão bonito, ou talvez o proprietário da agência matrimonial, Herr L? Será que realmente existia a Sra N? E, caso afirmativo, será que ela tinha a mesma aparência das fotos no site da agência?
Procurei um pouco na internet e encontrei retratos da bela brasileira em outros lugares, por exemplo em sites de propaganda. Disse ao Herr C que isso não significava necessariamente algo. Talvez tivessem sido roubados das páginas de anúncios do Herr L. Perguntei novamente ao Herr L. Ele assegurou que trabalhava seriamente.
“É claro que eu poderia te mandar uma descrição do incidente completa e detalhada, entre outras coisas dos insultos”, escreveu Herr C para mim. “Se você quiser, posso enviar uma amostra dos e-mails de insultos do Herr C”, escreveu Herr L. Recebi e-mails, documentos, scans, datas de voos, recibos, montanhas deles. Quando tiver tempo vou dar uma olhada em tudo isso.
Achei triste a história do Herr C. Não encontrou amor no Brasil. Pelo menos ganhou uma outra coisa: uma guerra de insultos, amarga e interminável, com um alemão igualmente teimoso. Uma forma de obsessão, como só existe em minha cultura, creio.
“Sabemos como nos defender”, escreveu Herr L para Herr C. “O senhor ainda vai se surpreender comigo”, respondeu Herr C para o Herr L. “Para mim, não importa quanto tempo essa disputa vai demorar”.
“Vou dar queixa de todas as suas ofensas”, escreveu Herr L para Herr C. “Vou lutar com todos os recursos até a sua exaustão”, escreveu Herr C para Herr L. “O senhor não tenha nenhuma dúvida referente a minha criatividade, dedicação, e o Senhor esteja certo que tenho os meios financeiros para isso.”
Penso que isso ainda vai durar semanas. “Para mim não é mais uma questão de dinheiro”, me disse Herr C ao telefone. “Dinheiro não é problema”. Gostaria de assegurar seus direitos, disse. Creio que seja mais do que isso: uma vingança contra Herr L por nunca ter conhecido a Sra N - quer ela realmente exista ou não.
Herr C, o homem solitário na montanha suíça, ainda luta por seu amor brasileiro.
Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna „Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.