Quadrinhos e sopa de macarrão
5 de abril de 2003O lamen, a sopa de macarrão japonesa, é o último grito em Berlim. A fim de criar um clima o mais nipônico possível, propício ao deleite da cultura pop do Extremo Oriente, a Biblioteca de Histórias em Quadrinhos RENATE, na Tucholsky Strasse, oferece aos aficionados chá ou sopa, de acordo com a hora do dia. Segundo um freqüentador: "À tarde pode-se folhear os mangás tomando chá verde, à noite temos lamen e animês".
Para quem ainda não sabe: mangás e animês são, respectivamente, os termos para os quadrinhos e os desenhos animados do Japão. Naturalmente, a oferta gastronômica não passa de um atrativo adicional, para quem já se entregou ao fascínio dos heróis desenhados. O que o visitante da RENATE também fica sabendo: o gênero HQ tem muito mais a oferecer do que do que os olhudos Dragonballs e os outros desenhos já transmitidos pelas TVs particulares da Alemanha e velhos conhecidos da garotada.
Mais do que Mickey Mouse
"As crianças de todo o mundo conhecem Asterix e Mickey Mouse," afirma o fundador da biblioteca de HQ de Berlim, Auge Lorenz, "porém há muito mais por conhecer, coisas tão bonitas ou tão loucas quanto eles". As estantes da pequena loja estão abarrotadas com cerca de cinco mil volumes e mais outras cinco mil revistas destinadas ao empréstimo. Atravessando as categorias da "nona arte", ali o amante dos diálogos em balões encontra tudo o que faz seu coração bater mais alto: clássicos e excentricidades, campeões de preferência e dicas secretas.
Lorenz é um tipo gauche, no final dos 30 anos, com uma juba oxigenada, estando presente dia e noite à RENATE. Seu verdadeiro prenome, Peter, ele não ouve desde antes de iniciar a carreira de desenhista de HQ. Auge (olho) é possivelmente uma alusão a sua predileção pelos olhos esbugalhados característicos dos mangás, e que transmitiu às duas personagens de sua criação: Novoman e Ravi. Ele também difunde seus conhecimentos no campo através de palestras sobre temas como "Os princípios da HQ", "Os nazistas nos quadrinhos" e "Super-heróis".
Lendo e desenhando
Entre as metas do ex-punk está "revelar as pérolas da HQ que existem para além do mainstream". A biblioteca não é apenas um local para os fãs: como Lorenz, muitos de seus freqüentadores empunham, eles próprios, o lápis e a hidrográfica, e em Berlim já são conhecidos de um público relativamente amplo.
Bernd Schmucker, por exemplo, abrilhanta as revistas da capital com seu Nettmann (homem bonzinho), um herói que, em diversos apectos, foge do esquema do super-herói tradicional. Sempre prestativo, o simpático mascarado leva o lixo para a rua, ajuda mulheres grávidas a atravessarem a rua e se bate em nome do bom comportamento.
Pontualidade, contudo, não é o seu forte. Como consta de sua homepage, já desde 2001 pretende assumir a liderança do mundo. Porém até agora não teve sorte. Também em seu mais recente episódio, a impontualidade prova-se fatídica: um rapaz que descobriu ter um tumor pulmonar acaba de se jogar da igreja Gedächtniskirche. Nettmann só chega a tempo de olhar para a poça de sangue e comentar: "Desculpe, o senhor perdeu uma coisa".
Publicando tudo o que recebe
Há algum tempo, a biblioteca dos quadrinhos publica histórias como essa em sua revista, em formato grande e tiragem estritamente limitada, a Rorschach. Este título é uma alusão às manchas de tinta, obras do acaso, utilizadas pelo psicólogo Hermann Rorschach a fim de estudar capacidades de associação. Para os desenhistas de HQ, a revista é um meio fantástico. Seu lema é: "Tua contribuição será impressa". Quem está longe demais de Berlim para um pulo à biblioteca também pode enviar pelo correio seus desenhos à Rorschach.