Quais as opções de Macron após a queda do governo na França
Publicado 5 de dezembro de 2024Última atualização 5 de dezembro de 2024O presidente da França, Emmanuel Macron, fez um pronunciamento de dez minutos em rede nacional nesta quinta-feira (05/12) no qual reafirmou que seguirá no cargo até o fim do seu mandato, em 2027, e anunciou que irá nomear um novo primeiro-ministro "nos próximos dias".
Na quarta-feira, a Assembleia Nacional aprovou uma moção de censura para derrubar o Executivo comandado pelo primeiro-ministro Michel Barnier. O premiê já apresentou seu pedido de demissão a Macron, e o Palácio do Eliseu informou que Barnier e seus ministros devem permanecer em seus cargos até o anúncio de um novo governo.
No pronunciamento, Macron assumiu sua responsabilidade por ter dissolvido o Parlamento em junho, após seu grupo político ter sofrido um revés nas eleições para o Parlamento Europeu, e convocado eleições antecipadas que não saíram como ele havia planejado.
Mas culpou seus oponentes pela atual crise, afirmando que eles haviam "escolhido a desordem" e estavam engajados "não em fazer, mas em desfazer". O líder francês chamou a união entre a esquerda e a ultradireita de "frente anti-republicana".
As eleições antecipadas deixaram a Assembleia Nacional sem maiorias claras e dividida em três blocos irreconciliáveis: esquerda, centro-direita e ultradireita. Macron não pode convocar novas eleições até julho próximo, segundo a Constituição francesa.
Queda de Barnier
Na quarta-feira, deputados de esquerda e da ultradireita se uniram para derrubar o governo de Barnier, que assumiu o cargo há menos de 100 dias, afundando a França na segunda crise política no espaço de seis meses.
Barnier enfrentava duas moções de censura na Assembleia Nacional após seu governo usar um controverso mecanismo constitucional para contornar o Parlamento e forçar a aprovação de uma lei orçamentária impopular, que visava uma corte de 60 bilhões de euros, em um esforço para reduzir o déficit estatal francês.
Para que as moções fossem aprovadas, eram necessários o voto de pelo menos 289 dos 577 deputados. A primeira moção, apresentada pela esquerda, acabou sendo aprovada com 331 votos.
Macron havia escolhido o conservador Michel Barnier como premiê em setembro, em nome da "estabilidade".
Qual a margem de manobra?
Não há nada que impeça Macron de reconduzir Barnier. Em 1962, o então presidente, Charles de Gaulle, reconduziu o censurado primeiro-ministro Georges Pompidou, mas após novas eleições.
Na terça-feira, Barnier, de 73 anos, descartou essa possibilidade. "Eu quero servir. Já lhe disse que é uma grande honra. Mas qual é o objetivo [de reconduzi-lo ao cargo de primeiro-ministro]?", disse ele às emissoras TF1 e France 2.
Entre os nomes ventilados para suceder o ex-negociador europeu do Brexit estão o atual ministro da Defesa francês, Sébastien Lecornu, e o aliado centrista de Macron François Bayrou, além do ex-primeiro-ministro socialista Bernard Cazeneuve ou do atual ministro do Interior, Bruno Retailleau, defensor de posições radicais contra a imigração, que poderia ter o apoio da ultradireita.
A nomeação de Barnier em setembro foi possível porque seu partido conservador Os Republicanos (LR) decidiu deixar a oposição e governar ao lado da aliança centrista que está no poder desde 2017.
Mas o líder do LR, Laurent Wauquiez, assegurou a seus deputados na terça-feira que seu acordo em setembro só vale para Barnier, insinuando que devem ocorrer novas discussões para seu apoio a um governo.
Acordo entre conservadores e socialistas
Faltando dois anos e meio para a próxima eleição presidencial, para a qual Macron não pode se candidatar, os partidos estão buscando se dissociar do legado de um presidente impopular, mas tentando não parecer responsáveis pela crise atual.
O antecessor de Barnier, o macronista Gabriel Attal, defendeu "um acordo de não censura" com o LR e também com o Partido Socialista, que faz parte da coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP).
O governo que surgiria desse pacto incluiria ministros da aliança de Macron, de acordo com Attal, e poderia evitar que sua sobrevivência dependesse do grupo da ultradireitista Marine Le Pen.
Pacto com ultradireita
Alguns membros mais à direita da coalizão governista defenderiam, em vez disso, um "pacto" secreto entre o chefe de Estado e Marine Le Pen, para que ela permitisse a sobrevivência de um novo governo.
Entretanto, concordar com as exigências orçamentárias do partido de Marine Le Pen, Reunião Nacional, implicaria abandonar os esforços para reduzir o déficit orçamentário francês.
Candidata esquerdista
O NFP – formado por socialistas, ecologistas, comunistas e o partido de esquerda radical A França Insubmissa (LFI) – venceu as eleições parlamentares, embora sem obter maioria, mas Macron se recusou a nomear sua candidata, a economista Lucie Castets, como primeira-ministra.
Embora Castets tenha dito na terça-feira que está "pronta para governar", os socialistas defenderiam a proposta de um pacto "sem censura" com acordos específicos com o restante dos partidos, exceto a ultradireita, mas com um governo de esquerda.
Essa abertura, à qual os ecologistas também são favoráveis, entra em conflito com a posição da LFI, que defende "aplicar o programa e somente o programa" da Nova Frente Popular, apesar do fato de que esse cenário implicaria em uma rápida censura.
O líder socialista Olivier Faure também rejeitou um governo liderado pelo ex-primeiro-ministro socialista Bernard Cazeneuve, que deixou o partido e rejeita qualquer acordo com o LFI.
Governo técnico e "plenos poderes"
Outra possibilidade seria a nomeação de um governo técnico até as próximas eleições legislativas, um dispositivo usado na Itália em várias ocasiões para superar crises políticas.
Esse governo se dedicaria à administração cotidiana e à cobrança de impostos, mas enfrentaria o obstáculo no Parlamento do orçamento de 2025, que já levou à queda de Barnier.
"Por trás da técnica, há sempre a política", resume um líder da aliança de Macron, rejeitando esse cenário.
Vozes da esquerda e também da LR consideraram que a única saída para a crise seria a renúncia de Macron e uma eleição presidencial antecipada, algo que o chefe de governo rejeita.
Entretanto, a Constituição dá amplos poderes ao presidente em situações de crise. Ele pode convocar referendos e tem a possibilidade, reconhecidamente extrema, de invocar "plenos poderes", de acordo com o Artigo 16, redigido pelos fundadores da Quinta República tendo em mente um cenário de guerra.
md/cn/bl (AFP, Reuters, DPA, Reuters)