Quais direitos protegem as crianças em conflitos e guerras?
16 de dezembro de 2024Uma em cada seis crianças cresce em zonas de guerra ou de conflito e está exposta a risco de "bombardeios, fome e doenças", aponta um novo relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O documento também alerta que a violência contra crianças em conflitos armados chegou ao "nível mais alto" já verificado pela entidade: em 2023, foram registradas 32.990 violações graves dos direitos das crianças – e isso é apenas a ponta do iceberg.
A DW analisa a situação atual dos direitos das crianças em meio aos conflitos armados.
Quais direitos têm as crianças em meio a conflitos?
O principal conjunto de regras na esfera internacional é a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. A necessidade de proteção e apoio aos menores de idade levou a comunidade internacional a formular direitos especiais para as crianças em um tratado internacional, aprovado em 1989. Além dos direitos à saúde ou ao lazer, também estão assegurados os direitos à proteção contra a violência, abuso e exploração, bem como o direito à proteção especial na guerra e na busca por acolhimento.
Desde 1989, foram desenvolvidos três protocolos adicionais à Convenção, um dos quais diz respeito ao envolvimento de crianças em conflitos armados. "O foco está claramente nas crianças-soldados. Qualquer utilização de crianças por Exércitos e grupos armados é considerada trabalho infantil e uma violação grave dos direitos das crianças; para crianças com menos de 15 anos, é até considerada crime de guerra", explica Frank Mischo, especialista em direitos das crianças da Kindernothilfe, uma organização cristã de ajuda humanitária criada na Alemanha que atua em 33 países.
A Convenção sobre os Direitos da Criança possui maior aceitação internacional do que qualquer outro tratado de direitos humanos. A Somália e os EUA a assinaram, mas ainda não a ratificaram, o que, para Mischo, é algo vergonhoso.
Há também outros conjuntos de regras e instrumentos, como a Declaração sobre Escolas Seguras, que visa proteger as escolas de conflitos armadose, até o momento, foi assinada por 120 países. Os Estados signatários se comprometem a se abster de bombardeios e ocupações militares das escolas para que, por um lado, elas possam servir como um local especial de proteção aos menores e, por outro, para que a educação possa ter continuidade mesmo durante conflitos e crises.
Quem supervisiona a aplicação dos direitos das crianças?
"O Comitê das Nações Unidas dos Direitos da Crianças, com sede em Genebra, lida constantemente com todos os países e analisa a forma como a Convenção sobre os Direitos da Criança está sendo implementada", explica Mischo. As avaliações se baseiam em informações fornecidas por governos, entidades e também indivíduos.
A Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para as Crianças e Conflitos Armados, Virginia Gamba, também desempenha um papel importante. Ela é responsável por documentar violações especialmente graves dos direitos das crianças em situações de conflito.
A ONU distingue entre seis crimes: matar ou ferir, recrutar e utilizar crianças como soldados, agressão sexual, ataques a escolas e hospitais, sequestro e recusa de ajuda humanitária. Se estas seis violações forem cometidas, as partes em conflito são colocadas na chamada "lista da vergonha", na qual os perpetradores permanecerão relacionados até que tenham decidido e implementado um plano de ação desenvolvido em conjunto.
O não cumprimento dos direitos das crianças também pode levar as partes em conflito ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia. Em 2023, o TPI emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, alegando ter razões razoáveis para acreditar que ele seria "responsável pelo crime de guerra da deportação ilegal" de crianças ucranianas. A Rússia é acusada de ter sequestrado milhares de crianças de orfanatos e outras instituições estatais para seu território.
Quais são as violações mais comuns?
Os conflitos armados e as guerras colocam as crianças em perigo de várias formas. Muitas vezes, "mesmo o mais essencial não lhes é garantido, como comida suficiente e um teto para dormir", diz Frank Mischo.
Além do risco de morte ou de ferimentos, as crianças são frequentemente separadas das suas famílias e forçadas a fugir. "Estas condições inseguras de vida fazem com que a prostituição forçada, a violência sexual e o trabalho infantil aumentem dramaticamente”, prosseguiu o especialista. "As crianças estão completamente vulneráveis a situações nas quais até mesmo os adultos dificilmente conseguem se defender."
Apesar da ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança por quase todos os países, o Unicef alerta que as partes envolvidas em conflitos continuam a desconsiderar a proteção das crianças como uma das "regras fundamentais mais importantes da guerra". A lacuna entre teoria e prática é enorme.
Segundo Mischo, as quase 33 mil violações graves dos direitos da criança documentadas em 2023 são apenas as que "foram efetivamente confirmadas várias vezes por fontes independentes, ou seja, pelo governo, pelas organizações da ONU ou por entidades terceiras". "O número de casos não registrados é sempre cem vezes maior", assegura.
De acordo com o relatório do Unicef, a situação das crianças em 2023 era particularmente grave na Faixa de Gaza, na Ucrânia e no Sudão.
"Um quarto de todas estas violações dos direitos das crianças aconteceram em Gaza. Muitos dizem que é atualmente o lugar mais mortal para as crianças em todo o mundo", aponta Mischo.
Em novembro, o TPI também emitiu um mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, por acusações de crimes de guerra cometidos em Gaza que incluem ataques deliberados à população civil.
Segundo o especialista, essas medidas do direito penal têm um efeito grandioso contra as violações extremas dos direitos da criança em conflitos e guerras: "Em minha opinião, o mais importante é o fim da impunidade, que possui um efeito de dissuasão."