Quais empresas controlam o que comemos?
16 de janeiro de 2017"Está na hora de voltar nossos interesses para além do que chega ao nosso próprio prato", comenta um texto explicativo do "atlas dos conglomerados" Konzernatlas 2017, que a Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde alemão, divulgou em meados de janeiro em Berlim, em conjunto com a Fundação Rosa Luxemburgo, a Liga do Meio Ambiente e Proteção da Natureza (Bund), as ONGs Germanwatch e Oxfam e a publicação mensal Le Monde Diplomatique.
Todos são atingidos pela forma como a indústria agrícola e alimentar está evoluindo. Os mais afetados, no entanto, são os elos mais fracos na cadeia de produção: os agricultores e a classe trabalhadora nos países emergentes e em desenvolvimento, que são os mais expostos ao poder de mercado das corporações.
Ao mesmo tempo, através de fusões, as empresas ao longo da cadeia de produção ficam cada vez maiores. Desde 2015 aconteceram 12 megafusões, ou uma a cada dois meses, em média. No ano passado, o setor agrícola e alimentar foi o mais atingido; a indústria agroquímica "encolhe para ficar especialmente grande", escrevem os autores.
No agronegócio global, sete empresas dominam a produção mundial de pesticidas e sementes. No fim de 2017, no entanto, a agricultura terá outra cara. "Estamos vendo que, em breve, não vamos mais lidar com oligopólios, mas com três grandes monopólios", afirma Barbara Unmüssig, membro da diretoria da Fundação Heinrich Böll e coeditora do Konzernatlas 2017.
Política sob pressão
O grupo alemão Bayer pretende comprar a produtora de sementes americana Monsanto, tornando-se assim a maior fabricante mundial de agroquímicos. As companhias americanas DuPont e Dow Chemical deverão se fundir, e a ChemChina planeja comprar a empresa química suíça Syngenta.
"Quanto mais poder de mercado se concentra nas mãos de algumas poucas empresas, não somente os consumidores e consumidoras ficam dependentes de seus produtos, mas também os agricultores e agricultoras, a quem são ditados os preços que têm de pagar por sementes e pesticidas", aponta Unmüssig, acrescentando que a liberdade de escolha dos consumidores diminui, e a pressão sobre a política aumenta. "Quanto mais se concentra o poder de mercado, mais os políticos se tornam vulneráveis."
Consultado pela DW, um porta-voz da Bayer não quis se manifestar sobre essas alegações. Mas justamente no setor de sementes e pesticidas já quase não há mais concorrência. De sete grandes conglomerados restarão em breve apenas quatro. Três deles dominarão mais de 60% do mercado de sementes comerciais e produtos químicos agrícolas. Quase todos oferecem culturas geneticamente modificadas.
Além da engenharia genética, também a digitalização está modificando a agricultura. "No futuro não será mais 'cresça ou desista', mas 'digitalize-se ou desista'", comenta Marita Wiggerthale, responsável por economia agrícola na Oxfam. Segundo ela, os agricultores estão cada vez mais dependentes do agronegócio: sistemas modernos de gestão agrícola só compensam para empresas de capital forte.
Terra de gigantes
Após as colheitas de trigo, milho e soja, entram em cena as empresas conhecidas por ABCD. Segundo o Konzernatlas 2017, quatro conglomerados dominam a importação e exportação de matérias-primas agrícolas: as americanas Archer Daniels Midland, Bunge e Cargill, e a holandesa Louis Dreyfus.
Elas negociam, transportam e processam muitas matérias-primas, com uma parcela de mercado de 70%. Além disso, o grupo ABCD está muito bem informado sobre colheitas, preços, flutuações cambiais, dados meteorológicos e desdobramentos políticos em todo o mundo. Essas empresas também seriam capazes de utilizar seu enorme poder de negociação frente aos produtores.
Elas fornecem commodities baratas a grandes empresas alimentícias, como Unilever, Nestlé, Heinz, Mars, Kellogg's e Tschibo. Todas são clientes de um único comerciante agrícola de Cingapura, a Olam International. As empresas alimentícias, por sua vez, estão entre as principais fornecedoras das grandes redes de supermercados.
Revolução do supermercado
Na Alemanha, por exemplo, quatro cadeias de supermercados dominam 85% do varejo de alimentos". "As redes de supermercados agem como leões de chácara, estipulando quem produz e como, e quais alimentos chegam às prateleiras", afirma Wiggerthale.
Quanto maior a fatia de mercado dessas redes, maior seu poder de ditar preços e condições aos fornecedores, que sofrem para que seus produtos cheguem às prateleiras. Os fornecedores, por sua vez, transferem essa pressão para os produtores, que sobrevivem à custa de mais horas de trabalho e salários mais baixos, diz o atlas.
As redes de supermercados se expandem principalmente em países de rendas per capita média, como Índia, Indonésia e Nigéria, onde elas levam ao fechamento das lojas pequenas e das feiras tradicionais.
Fim da fome a perder de vista
Muitas empresas argumentam que combatem a fome mundial com o aumento da produção de alimentos. "A produtividade das terras aráveis cultivadas não aumentou. A fertilidade dos solos está sendo destruída pelo excesso de adubação e as monoculturas", contrapõe Unmüssig.
"A cada ano se perdem 12 milhões de hectares de terra fértil, que poderiam ser utilizados na segurança alimentar." Além disso, a utilização de terras cultiváveis para a produção de rações e biocombustíveis ocupa milhões de hectares.
Assim, o fato de haver quase 800 milhões de subnutridos no mundo não se deve à escassez de alimentos, mas segue sendo um problema de distribuição. E, em vez de resolvê-lo, a produção de alimentos em escala industrial vêm agravando ainda mais esse problema, denuncia o Konzernatlas.
"Queremos chamar a atenção dos políticos para o fato de que se formam concentrações de poder que levam à dependência e vulnerabilidade perante as decisões de grandes conglomerados", assinala Unmüssig, reivindicando que sobretudo as leis antitruste e de concorrência sejam ampliadas.
A alternativa são os métodos agroecológicos. "Esses métodos passam ao largo das grandes empresas e geram um real aumento de receita para os agricultores e produtores", afirma Unmüssig.