Quando a música é expulsa das salas de aula
2 de abril de 2005A violinista Anne-Sophie Mutter é uma das principais embaixadoras da Alemanha no meio musical. No entanto, ela recentemente abriu espaço em sua agenda de concertos e gravações para uma atividade inusitada: promover um programa de aprendizagem de música que ela criou para crianças do jardim-de-infância ao segundo grau.
"Crianças que não sabem ler notas são disléxicos musicais", disse Mutter em entrevista ao jornal Welt am Sonntag. Ela espera que seu programa – com um método de ensino progressivo, baseado na idade dos alunos e que os coloca desde cedo em contato com a música tanto na teoria quanto na prática – ajude a reverter esse quadro.
"É absurdo irmos regularmente à academia de ginástica, mas nada fazermos para manter nossa mente em forma. A música não é mais considerada uma necessidade básica", disse.
Críticas proliferam
Mas sua opinião é apenas uma entre a avalanche de reclamações de que as escolas alemãs falham em fornecer uma boa educação musical a seus alunos. Diante de cortes drásticos nos orçamentos da educação, as escolas acabam se orientando pelo lema "back to basic".
Segundo um estudo feito em 1999 pelo Conselho Alemão de Música, uma instituição sem fins lucrativos destinada a promover a música no país, apenas 20% dos escolares são ensinadas por professores de música qualificados. O resto não recebeu formação alguma ou foi treinado por professores sem qualificação, alerta o vice-presidente da instituição, Hans Bessler.
Pesquisas apontam para conseqüências dramáticas: crianças alemãs cantam pior e com menor freqüência que há dez anos, além de desconhecerem seu próprio patrimônio cultural. A parcela dos conhecedores de música diminuiu consideravelmente.
Efeito Mozart
Estudos neurológicos recentes, reunidos sob o nome de "efeito Mozart", indicam uma clara correlação entre o contato com a música e o desenvolvimento cerebral, o pensamento espacial e lógico, bem como o sucesso acadêmico.
"As três constantes principais que o cérebro usa para absorver informação são o tato, a acústica e a análise", disse Mutter. "Todas elas são desenvolvidas pela música. A música não deveria ser matéria secundária, mas base para todas as outras matérias."
Efeito Sputnik
Felicitas Liemersdorf, diretora de uma escola fundamental em Colônia, concorda. "Aprender música na escola – com um professor qualificado – é tão importante quanto aprender alemão, matemática ou línguas estrangeiras. Infelizmente, a sociedade não reconhece isso."
Há algumas décadas, lembra Liemersdorf, professores do ensino fundamental eram obrigados a tocar algum instrumento como parte de sua formação. "Tudo isso mudou com o Sputnik", disse. Na era da Guerra Fria e da corrida espacial, o foco educacional teria se deslocado das artes para a ciência e a tecnologia, até que nos anos 80 o componente musical foi completamente removido do currículo do professor.
No final da década de 90, quando os alemães foram surpreendidos pelo baixo desempenho de seus alunos em testes comparativos internacionais, a educação musical perdeu ainda mais espaço. Quaisquer recursos disponíveis foram investidos em aprimorar o resultado das disciplinas "básicas", como leitura, matemática e línguas estrangeiras.
Procuram-se professores de música
Segundo Bessler, teoricamente as escolas alemãs teriam de seguir uma grade escolar que ele e outros especialistas consideram "excelente". Mas a verdade é que, embora muito bonito no papel, isso quase nunca acontece – em grande parte devido à falta de professores qualificados.
O Conselho Alemão de Música está fazendo uma campanha para mudar isso e atrair estudantes de música ao magistério, reformulando, ao mesmo tempo, a maneira como a música é ensinada nas escolas. O sucesso do projeto será decisivo: se falhar, apenas crianças de famílias ricas terão acesso à educação musical.