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Quando "grego" para o brasileiro é "espanhol" no alemão

Susanne Cords (sm)7 de junho de 2016

Viver como Deus na França, receber presente de grego, construir Roma em um dia ou carregar corujas para Atenas são expressões incorporadas ao idioma. Elas revelam as relações de vizinhança com países europeus.

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Statue der griechischen Philosophen Sokrates und Platon
Foto: imago/A. Neumeier

Muitas expressões populares em uma língua escondem alguns séculos de história, mesmo que o falante nem sempre saiba ao que elas se referiam originalmente. Assim como em diversas outras línguas europeias, o repertório de referências latino e grego se manteve no léxico alemão.

Expressões como "calcanhar de Aquiles" e "presente de grego" ou em frases como "Roma não foi construída em um dia" também são usuais na língua alemã.

O que esperar de um "presente dos dânaos"

Apesar de não ser um idioma românico, o alemão também dita que a construção de Roma demorou mais de um dia: Rom wurde nicht an einem Tag gebaut. Enquanto o calcanhar de Aquiles (Achillesferse) coincide com a expressão em português, o presente de grego é mais específico em alemão: Danaergeschenk.

Das Kolosseum in Rom zu Ehren von Giuliana Sgrena erleuchtet
Coliseu, em RomaFoto: AP

Danaer, "dânaos", do grego Danaoi, é a denominação de todos os gregos usada por Homero, ao lado de "aqueus". A palavra remete a um dos povos que invadiram o Egito em 1220 a.C. e foram derrotados pelos egípcios 30 anos depois.

"A língua latina e a grega colocam diante dos nossos olhos um grande tesouro de monumentos clássicos", escreveram Jacob e Wilhelm Grimm na introdução de seu famoso Deutsches Wörterbuch (Dicionário Alemão). Muitas referências greco-latinas foram extraídas diretamente da literatura.

Isso se aplica, por exemplo, a Eulen nach Athen tragen, uma expressão usada por Aristófanes. "Levar corujas para Atenas" significa fazer algo supérfluo. Em Atenas, as corujas – atributo da deusa protetora da cidade, Atena – viviam em grande número nas encostas da Acrópole, de modo que levar mais corujas ainda para Atenas...

Eule
Coruja, símbolo da sabedoria e atributo de AtenasFoto: dpa

Espanhol para estranho, francês para luxuoso

O "suplício de Tântalo", em alemão Tantalusqualen, por exemplo, remete à Odisseia de Homero. Tântalo, rei da Frígia, que serviu aos deuses a carne de seu próprio filho para testar a onisciência divina, foi castigado com o suplício da sede. No reino dos mortos, ele vivia com água até o pescoço, mas quando baixava a cabeça para beber, a água escoava.

Além das referências à Antiguidade, há outras na língua alemã que revelam as relações de vizinhança com países europeus. A expressão "isso para mim é grego", no sentido de "isso eu não entendo", corresponderia em alemão a mir kommt das Spanisch vor, ou seja, "isso me parece espanhol", no sentido de "isso é estranho, esquisito".

A expressão remete ao reinado de Carlos 5º, imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei da Espanha, portador da coroa alemã entre 1519 e 1556. Na época, muitos hábitos e modas provenientes da Espanha foram introduzidos na Alemanha, apesar da estranheza.

Carlos 5º
Carlos 5º

Algumas expressões têm diferentes interpretações. Wie Gott in Frankreich leben ("Viver como Deus na França"), isto é, viver no luxo e simplesmente aproveitar a vida, poderia ser considerado um mero reconhecimento do savoir vivre francês. No entanto, há quem confira a esta expressão uma explicação histórica.

Abuso do politicamente correto

Como a Revolução Francesa negou a autoridade divina, Deus não tinha muito mais o que fazer e nada mais com que se preocupar. Pelo menos até maio de 1794, quando Robespierre permitiu que a existência desta entidade superior fosse novamente fixada por escrito.

Algumas expressões costumam receber interpretações erradas. Por exemplo: etwas türken, um verbo inventado a partir do substantivo Türke, "turco". Türken significa "dissimular, falsificar". Muitas vezes esta palavra é remetida às hostilidades entre europeus e turcos durante o Império Otomano. E costuma ser riscada do vocabulário politicamente correto.

No entanto, a expressão provém do nome de um invento do barão Wolfgang von Kempelen apresentado à corte vienense em 1769: uma máquina de jogar xadrez.

Frederico, o Grande
Frederico, o GrandeFoto: picture alliance/chromorange/U. Gnoth

A máquina pensante foi denominada por ele "O Turco", pois a enorme caixa com um tabuleiro de xadrez também incluía – como parceiro de jogo – um boneco com uma suntuosa veste otomana.

Segundo Kempelen, o segredo de sua máquina pensante seria uma complexa engrenagem interna. Mas o que havia no interior da caixa, na verdade, era uma pessoa que respondia aos lances do parceiro às escondidas.

Talvez a expressão tenha entrado com facilidade para a língua pelo fato de seu primeiro comprador ter sido ninguém menos do que Frederico, o Grande, rei da Prússia, que não demorou a perceber o engodo.