Quando o sonho de liberdade acaba em Lesbos
21 de setembro de 2020Na ilha grega de Lesbos, sob um sol escaldante e sentado sozinho no meio-fio, Muhammad Sator Massi olha resignado para o chão. "Nós tínhamos esperança, mas a perdemos. Achávamos que agora o governo nos levaria a Atenas", diz o jovem de 19 anos. Ao lado dele, um guindaste ergue um saco de lixo atrás do outro até a carroceria de um caminhão, como parte dos esforços para remover os destroços do campo de refugiados de Moria, destruído por um incêndio.
Na estrada que parte da capital da ilha, Mitilene, e passa pelo campo de Moria, e em seus arredores há garrafas de plástico, embalagens e restos de moradias temporárias. Quem se aproxima dos arbustos, vê lixo por toda parte. Apesar de o mar estar a poucos passos de distância, o local cheira terrivelmente mal.
Muhammad fugiu do Afeganistão para Lesbos com a tia, o marido dela e os seis filhos do casal. Eles estão em Lesbos há nove meses. Um período terrível, que o jovem diz ter deixado marcas profundas. Depois do incêndio que destruiu o acampamento de Moria, em 9 de setembro, ele e os outros residentes do local seguiram para a capital, mas a polícia os deteve e bloquou a estrada.
Muhammad e a família foram forçados a dormir ao relento, às vezes no chão, sobre caixas de papelão. Eles resistiram por mais de uma semana. Em seguida, a polícia começou a evacuar o acampamento improvisado, e, nesta manhã, eles finalmente chegaram à tenda de Muhammad. A família tinha acabado de comer, diz ele. Um policial jogou as coisas deles para fora, gritou com a família e então desmontou a barraca.
Incertezas sobre o novo acampamento
Agora existe um novo acampamento: Kara Tepe. "Eles nos obrigam a ir para lá. Não temos alternativa. Não acho que seja melhor do que Moria.Só vai se repetir o que passamos aqui", diz Muhammad.
Como a maioria, ele teme que as condições em Kara Tepe sejam tão insuportáveis ou piores do que em Moria: milhares de pessoas num espaço confinado, sem banheiros e chuveiros suficientes, pouco para comer, quase nenhum atendimento médico e violência todas as noites.
Segundo um porta-voz do Ministério de Migração grego, as condições no novo campo de Kara Tepe são boas: há banheiros, água encanada e eletricidade. Pessoas que já estão no acampamento, porém, relatam o contrário. Elas dizem que há pouquíssimos banheiros, comida apenas uma vez por dia e que não há colchões nem cobertores nas grandes tendas brancas montadas pela agência das Nações Unidas para refugiados (Acnur) e pela Cruz Vermelha.
O campo foi montado dentro de pouquíssimo tempo numa antiga área de treinamento do Exército, num solo provavelmente contaminado com poluentes e munições. Mesmo durante as obras, soldados podiam ser vistos vasculhando a área ao redor das barracas com detectores de metal. Mas o porta-voz do ministério afirma que está tudo seguro.
O maior problema para refugiados como Muhammad é a incerteza se, mais tarde, eles conseguirão deixar o novo campo. O local deve primeiramente ser colocado em quarentena. Mais de 200 casos de covid-19 foram registrados no local nos últimos dias. Após duas semanas, os residentes deverão ter permissão para deixar o acampamento durante o dia. Mas isso não é certo, e a incerteza também atormenta Muhammad.
"Viemos aqui em busca de proteção. Não somos prisioneiros. Faz quase um ano que estou em Lesbos, em Moria. Mais do que isso, eu não conseguiria aguentar", diz.
"Não parece que estamos vivos"
Muhammad se levanta devagar. Ele quer descer a rua até a família da tia para registrá-los no novo acampamento. Ele parece cansado e abatido. A rua em torno dele está quase deserta. Além dos coletores de lixo, passam apenas algumas pessoas de vez em quando: uma família do Afeganistão carregada de sacos plásticos; um jovem do Congo transportando uma tenda velha e suja. Muhammad segue na mesma direção que eles e caminha lentamente em direção ao novo acampamento.
Ele fuma um cigarro. "Nunca tinha feito isso. Eu era atlético, evitava fumantes. Agora isso me acalma", conta. Ele diz que mudou muito ao longo dos anos. Mentalmente, o jovem está acabado. "Estamos perdendo nossa vida aqui. Não parece que estamos vivos", diz ao passar por um ônibus da polícia.
Ele relata que, no Afeganistão, sua situação financeira era boa. O pai é membro do Conselho Regional da Província de Wardak e dono de uma empresa de abastecimento de água. A família tinha dinheiro, mas não tinha segurança. Certa vez, ele foi parado por um carro no caminho da escola para casa. Os homens disseram que eram amigos de seu pai e pediram que ele entrasse no veículo. Quando ele se recusou, eles tentaram arrastá-lo para dentro do carro. Ele conseguiu se desvencilhar e fugir. "Quando você vai para a escola, não sabe se voltará vivo para casa."
Com a tia, ele decidiu fugir para a Europa. Mas perdeu a esperança de começar uma nova vida, talvez na Alemanha. Queria aprender o idioma, estudar medicina e jogar futebol, sua grande paixão.
Antes deportado do que preso
Muhammad chegou ao novo acampamento. Ao lado da estrada, grupos, na maioria de homens, aguardam sentados à sombra de pequenos arbustos. A princípio, apenas famílias são permitidas na fila em frente à entrada. Elas estão espremidas. A polícia, equipada com máscaras e roupas de proteção, mantém distância. Um a um, todos são registrados e submetidos a um teste de coronavírus.
Anteriormente, Muhammad mencionara que preferia ser deportado para o Afeganistão para morrer por lá do que ir para esta prisão. Mas agora ele não tem escolha. Ele vê sua tia parada na fila. Lentamente, com a cabeça baixa, Muhammad passa pelas outras famílias e desaparece na multidão.