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Quando um artista moderno envelhece

Simone de Mello13 de junho de 2006

O poeta de vanguarda expressionista Gottfried Benn reflete, numa conferência proferida em 1954, dois anos antes de sua morte, sobre os dilemas do envelhecimento para o artista.

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"A arte não deve coisa nenhuma"

Bela Juventude

A boca de uma menina, deitada há muito no junco, parecia corroída.
Quando arrombaram seu peito, o esôfago estava tão esburacado.
Por fim, na folhagem, sob o diafragma, encontraram um ninho de filhotes de ratos.
Uma pequena irmãzinha jazia morta:
os outros viviam de fígado e rins,
bebiam sangue frio e tinham
passado aqui uma bela juventude.
E belo e célere também foi seu fim:
todos foram jogados na água.
Ah, e como os pequenos focinhos guinchavam
!

Gottfried Benn
Gottfried Benn, médico e poetaFoto: dpa

Poucos poetas investigaram a morte de tão perto como o expressionista Gottfried Benn (1886-1956). Neste poema de 1912, o poeta alemão resgata o motivo da vanitas, topos literário e artístico canônico, e o radicaliza através do hiper-realismo visual da poética expressionista. Por trás da juventude espreita a morte.

Diante deste pano de fundo, torna-se ainda mais interessante ler um breve ensaio de Benn sobre o envelhecimento, recém-publicado pela Alexander Verlag, de Berlim. Altern als Problem für Künstler (O envelhecimento como problema para os artistas) é uma conferência que Benn fez em março de 1954, dois anos antes de sua morte, perante a Academia Bávara.

Beco sem saída da vanguarda

Aos 67 anos, no entanto, o médico e poeta co-fundador do expressionismo literário na Alemanha tinha mais interesse de refletir sobre a vida do que sobre a morte. Ele explicita, neste ensaio, o dilema de um artista conhecido por sua contribuição à vanguarda.

Em anos avançados, ele se encontra no dilema de ser acusado de anacronismo, caso continue a insistir nas rupturas que introduziu em sua juventude, ou de senilidade, caso ouse desviar do caminho já percorrido.

Benn resgata a trajetória de inúmeros artistas e escritores que passaram dos 70 anos e esboça os dilemas que os afligiram. Também analisa como a crítica avalia o trabalho tardio de um artista, reconhecendo que sua fase final de produção pode ser caracterizada das mais diversas formas, desde a leveza sublime ao enrijecimento intelectual.

"A arte não deve coisa nenhuma"

A conferência de Benn pode ser vista como um acerto de contas com as expectativas da crítica em relação à trajetória de um artista. "A arte deve ­– dizem essas pessoas – a arte deve trazer à tona a referência mundana do absoluto. –"

"A arte deve restabelecer o centro, mas não pode perder a profundidade – a arte deve representar o homem como imagem e semelhança de Deus – sim, mas será que existe algo que não seja a imagem e semelhança de Deus, isso me seria novo, disso não excetuo nem um tigre –– a arte não deve coisa nenhuma".

Esta breve reflexão sobre o passar do tempo representa uma rara oportunidade de reconhecer a dificuldade de trajetórias artísticas iniciadas com radicalismo. Nesta obra, à qual não falta a irreverência da vanguarda e a fantasia expressionista, lê-se o dilema do próprio modernismo em se auto-superar.

Gottfried Benn: Altern als Problem für Künstler. Ein Vortrag. (O Envelhecimento como Problema para Artistas. Uma Conferência). Berlim: Alexander Verlag, 2006; 54pp.