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Quem era o general russo morto em atentado em Moscou

Sergey Satanovskiy
17 de dezembro de 2024

Igor Kirillov chefiava unidade responsável por armas radiológicas, biológicas e químicas, e também se notabilizou como propagandista do regime de Putin, tanto na Ucrânia quanto na Síria.

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O general russo Igor Kirillov
A carreira pública de Igor Kirillov começou em 2017, quando ele foi nomeado comandante das forças de proteção nuclear, biológica e química da RússiaFoto: Ilya Pitalev/Sputnik/picture alliance

Os moradores de um prédio de apartamentos no distrito de Ryazansky, em Moscou, foram surpreendidos por uma explosão na manhã desta terça-feira (17/12). Logo depois, ficou claro que duas pessoas haviam morrido na detonação. Não eram vítimas comuns.

Mais tarde, as autoridades russas confirmaram tratar-se de ninguém menos que o general Igor Kirillov e seu assistente, Ilya Polikarpov.

Kirillov, de 54 anos, chefiava desde maio de 2017 uma unidade russa responsável por lidar com proteção contra armas químicas, biológicas e radiológicas – conhecidas como "bombas sujas". Ele também se notabilizou por aparecer regularmente na imprensa espalhando desinformação sobre supostos "laboratórios biológicos dos EUA" na Ucrânia e por defender o ex-ditador sírio Bashar al-Assad.

Embora outros generais russos tenham morrido na Ucrânia ocupada ou perto da linha de frente, Kirillov é o oficial militar de mais alto escalão a ser morto dentro do território da Rússia.

Reações em Moscou e Kiev

Investigadores russos disseram que a bomba que matou o general havia sido plantada em uma scooter elétrica colocada ao lado da entrada do bloco de apartamentos. Ela foi detonada quando os dois militares estavam saindo do prédio. Kirillov estava sendo vigiado por uma câmera instalada em um veículo estacionado perto de sua residência pouco antes de seu assassinato.

Autoridades abriram um processo criminal para examinar suspeitas de terrorismo, assassinato e tráfico ilegal de armas. A mídia russa, citando fontes oficiais, informou que as autoridades suspeitam que os serviços de inteligência ucranianos tenham organizado a explosão.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, disse que Kirillov "passou muitos anos expondo sistematicamente os crimes dos anglo-saxões". O deputado russo Yevgeni Revenko, por sua vez, acusou a Ucrânia de conduzir a operação e disse: "O regime de Kiev (...) mostrou sua natureza criminosa".

Enquanto isso, Mykhailo Podolyak, um conselheiro da Presidência da Ucrânia, negou as alegações que ligam Kiev à explosão. Mas veículos como BBC e o jornal The Guardian, além de agências de notícias, atribuíram o ataque a Kiev citando informações fornecidas por fontes anônimas dentro do SBU, o serviço secreto ucraniano. À BBC, uma fonte acusou Kirillov de cometer crimes de guerra e argumentou que o general era "um alvo legítimo".

A explosão desta terça-feira ocorreu um dia depois que o SBU acusou Kirillov, à revelia, de ordenar o uso de armas químicas contra as Forças Armadas da Ucrânia.

Destruição deixada pela explosão que matou Igor Kirillov em Moscou
Destruição deixada pela explosão que matou Igor Kirillov em MoscouFoto: Maksim Blinov/Sputnik/picture alliance

Propagandista que tentou limpar imagem de Assad

A carreira pública de Kirillov começou em 2017, quando ele foi nomeado comandante das forças de proteção nuclear, biológica e química da Rússia, conhecidas pela sigla RKhBZ. De acordo com os militares russos, essas forças são responsáveis por proteger as tropas russas quando armas químicas e biológicas são usadas.

No entanto, os ucranianos afirmam que a unidade se afastou do seu papel de "proteção" e na realidade tem feito uso dessas armas durante o conflito. Os ucranianos afirmam que os russos usaram armas químicas mais de 4,8 mil vezes desde o início da guerra. A Rússia nega as acusações.

Em 2018, Kirillov assumiu o papel de porta-voz do governo russo para lidar publicamente com um ataque químico que matou dezenas de pessoas na cidade síria de Duma, em abril daquele ano.

Na época, os Estados Unidos, o Reino Unido e a França acusaram o regime do então ditador Bashar al-Assad de realizar o ataque. Em resposta, as nações atacaram vários alvos do regime na Síria.

Já a Rússia, aliada de Assad, tratou de defender publicamente o ditador. E Kirillov foi alçado a um posto de "relações públicas", afirmando à imprensa que o ataque químico teria sido encenado.

À época, ele afirmou que o composto tóxico sarin foi deliberadamente adicionado a algumas amostras retiradas do local – uma alegação que nunca foi comprovada de forma independente.

Uma longa investigação realizada pela Equipe de Investigação e Identificação (IIT) da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW) concluiu, em janeiro de 2023, que a Força Aérea da Síria de Assad foi responsável pelo ataque químico.

Crianças sendo tratadas após ataque químico na Síria em 2018
Crianças sendo tratadas após ataque químico na Síria em 2018Foto: picture alliance/AP Photo/Syrian Civil Defense White Helmets

Alegações falsas sobre laboratórios biológicos na Ucrânia

Kirillov voltaria a desempenhar um papel de porta-voz da desinformação russa em relação a armas químicas e biológicas após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022. Em discursos, o general acusou os Estados Unidos de construir laboratórios na Ucrânia para desenvolver armas biológicas destinadas a serem usadas contra a Rússia.

Nessas aparições, Kirillov argumentou, sempre sem provas, que os EUA estavam planejando usar drones para enviar mosquitos infectados com o vírus da febre amarela para áreas onde as tropas russas estavam posicionadas. Ele também não forneceu nenhuma prova de sua declaração de que o aumento dos casos de gripe aviária na Rússia se deveu à migração de aves infectadas da Ucrânia.

Durante seus briefings, sem nunca apresentar provas, Kirillov afirmou ainda que o Exército ucraniano teria usado substâncias tóxicas nas linhas de frente. Uma de suas últimas afirmações, em agosto deste ano, foi que a Ucrânia estava pronta para usar uma "bomba suja" para dispersar material radioativo em seu próprio território.

Um militar russo da unidade RKhBZ vestindo trajes especiais e apontando uma arma
Um militar russo da unidade RKhBZ, encarregada de lidar com armas químicas Foto: Yuri Smityuk/TASS/dpa/picture alliance

Por que Kirillov?

O cientista político alemão e especialista em Rússia Hans-Henning Schröder aponta que as mentiras de Kirillov alimentaram a máquina de propaganda russa para justificar a guerra contra a Ucrânia. Schröder disse que o objetivo de Kirillov era convencer o público, tanto dentro quanto fora da Rússia, de que a Ucrânia era perigosa e que a ofensiva russa tinha o objetivo de impedir os supostos planos nefastos de Kiev.

Schröder ressaltou que o papel de Kirillov como propagandista pode ter chamado a atenção dos serviços de inteligência ucranianos. Kirillov, por outro lado, não comandava oficialmente tropas no nível operacional e não era responsável pela implantação de unidades ou sistemas de armas, acrescentou Schröder.

"Um ato de sabotagem"

Vários meios de comunicação citaram fontes da SBU que afirmaram que o serviço de segurança da Ucrânia foi de fato responsável pela morte de Kirillov. Se for verdade, isso não deve ser tratado como um ataque terrorista, opina Oleksiy Melnyk, que dirige programas de política externa e segurança internacional no Centro Razumkov, em Kiev.

"Quando dois Estados estão em guerra e um militar ativo da força oposta é eliminado, isso deve ser classificado como um ato de sabotagem", aponta Melnyk.

Há outros possíveis suspeitos para a explosão além da SBU.

Melnyk e Schröder especularam que um conflito corporativo ou entre agências poderia estar por trás da morte de Kirillov. Schröder disse que o assassinato de Kirillov também pode ser visto no contexto dos expurgos no Ministério da Defesa da Rússia, que começaram depois que Putin demitiu o ex-ministro da Defesa, Sergei Shoigu, em maio passado.

"Certamente é possível imaginar conflitos de recursos, em que um grupo conspira contra outro", disse Schröder. "No entanto, até o momento, sabemos muito pouco sobre confrontos violentos entre grupos criminosos rivais dentro do Ministério da Defesa."