Quem vai herdar os votos de Lula?
22 de agosto de 2018A 45 dias do primeiro turno das eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda desponta como o favorito na corrida presidencial. O petista não segue apenas como líder. Mesmo na prisão e sem poder participar da campanha, ele também foi o candidato que mais cresceu entre os 13 nomes na disputa.
Entre a pesquisa Ibope divulgada no final de junho e o levantamento desta segunda-feira (20/08), Lula cresceu quatro pontos percentuais, alcançando 37% das intenções de voto. No Datafolha, ele saltou de 30% para 39% no mesmo período.
Com Lula impedido de participar de eventos de campanha, o partido e sua defesa têm se esforçado para manter o ex-presidente em evidência, reforçando o discurso de perseguição a sua figura e candidatura. Um exemplo foi a divulgação na semana passada de um pedido de um comitê das Nações Unidas para que o petista participe do pleito.
"Essa estratégia vem dando certo há um ano e meio e ajuda a manter Lula em evidência. O ex-presidente também se beneficia da briga que ocorre entre os candidatos pelos segundo lugar. Basta ver que nos debates Lula fica praticamente esquecido. Nesse processo autofágico entre os outros candidatos, ele fica fora da zona de tiro. Lula só ataca e não é atacado", diz o cientista político Fernando Schüler, do Insper.
Os números demonstram a resistência da popularidade do ex-presidente, mas é quase certo que esses eleitores não verão a foto do ex-presidente na urna. O petista deve ser enquadrado na Ficha Limpa e ter o registro da candidatura negado pela Justiça Eleitoral. Sem Lula, resta saber como esse eleitorado deve se comportar.
No cenário sem Lula da mesma pesquisa Ibope, a principal beneficiada é a ex-ministra Marina Silva (Rede), que está em sua terceira campanha presidencial. Com 6% no cenário em que Lula aparece na disputa, ela salta para 12% na ausência do petista. No Datafolha, ela vai de 8% a 16%.
Ciro Gomes (PDT) passa de 5% para 9% (Ibope) e de 5% para 10% (Datafolha). Mesmo candidatos de polos opostos a Lula se beneficiam: Jair Bolsonaro (PSL) sobe dois pontos no Ibope e 3 no Datafolha; Geraldo Alckmin (PSDB) cresce dois pontos no Ibope e chega a saltar cinco no Datafolha.
Mas há uma explosão de votos nulos e brancos e de eleitores indecisos. Com Lula, eles já são 22%. Sem o petista, chegam a 38%, segundo a sondagem do Ibope. No Datafolha, as cifras são de 16% e 28%.
O candidato de Lula
"Plano B" do PT, o ex-prefeito Fernando Haddad continua sendo oficialmente o vice da chapa eleitoral – o PT tem até 16 de setembro para efetuar uma troca de candidatos. As pesquisas Ibope e Datafolha sugerem à primeira vista que o ex-prefeito continua penando para se tornar conhecido entre o eleitorado.
No cenário sem Lula, ele apareceu com 4%, em quinto lugar e tecnicamente empatado com o sexto colocado no Ibope e no Datafolha. No entanto, o percentual já é melhor que o verificado em junho, quando Haddad, aparecia com entre 1% e 2%.
Por outro lado, a última pesquisa Ibope também sugere um grande potencial de crescimento da candidatura de Haddad. Em um levantamento separado, os entrevistadores do Ibope perguntaram a todos eleitores se eles votariam em um candidato indicado pelo ex-presidente. Segundo a pesquisa, 13% afirmaram que "com certeza" e 14% disseram que podem votar caso ele receba apoio de Lula. Outros 7% disseram não conhecer suficiente Haddad para opinar.
"A pesquisa que apresenta o cenário em Lula com todos os candidatos não apontou para os eleitores que Haddad é o candidato indicado por ele", lembra o cientista político Antonio Lavareda. "Só apresentaram o nome Haddad". "Se tivessem incluído essa informação ele já apareceria com talvez 15% dos votos válidos. É possível estimar que ele possa crescer até 20% no primeiro turno. Temos que esperar para ver como será a campanha com Haddad já com o apoio de Lula".
Lavareda também é presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). O instituto divulgou uma pesquisa eleitoral na última sexta-feira em que entrevistadores efetivamente apresentaram Haddad como "apoiado por Lula" na pesquisa com outros 12 candidatos. O ex-prefeito disparou para a vice-liderança, com 15% das intenções, ficando apenas atrás de Jair Bolsonaro (PSL).
Dificuldades
Segundo o cientista político Carlos Pereira, da FGV-Rio, setores do PT podem festejar os resultados, "mas não está claro como Lula vai de fato transferir esses votos". Ele aponta, no entanto, que Marina Silva, que aparece como a maior beneficiada pela ausência de Lula, não deve consolidar essa vantagem. "Dificilmente ela vai ter musculatura para sustentar esse percentual. Seu partido é muito pequeno", conclui.
Lavareda também aponta que, apesar dos números sugerirem o potencial de Haddad, não é efetivamente certo que essa transferência será automática, dada a dificuldade de Lula de fazer campanha por causa da prisão. "Lula ainda continua a ter uma grande força de transferência de votos, mas diante da sua situação está com poucos instrumentos para realizar essa transferência. É preciso ver como o PT vai utilizar o material de campanha e ligar Haddad a Lula", afirma Lavareda.
Para Schüler, o potencial de transferência de votos para Haddad vai depender das circunstâncias. "Em 2016, na disputa pela prefeitura de São Paulo, a transferência de votos de Lula não funcionou para Haddad. Mas, se funcionar, 14% ou 15% dos votos podem ser suficientes para levar Haddad ao segundo turno. Numa eleição pulverizada, isso pode acontecer", diz. Schüler também aponta que Marina terá dificuldades de consolidar votos que poderá herdar de Lula conforme a campanha avançar. "A Marina ainda tem muito recall (nome já conhecido entre o eleitorado), mas não tem estrutura de campanha", afirma.
Estratégia de Lula
Segundo Schüler, é certo que o PT deverá no final fazer a troca de Lula por Haddad dada a situação jurídica do ex-presidente. Ele aponta que a Justiça Eleitoral e o Supremo devem negar o registro dentro do prazo de substituição, até o final da primeira quinzena de setembro, deixando apenas três semanas para Haddad fazer campanha por conta própria. "Pela lei da Ficha Limpa, é certo que Lula será barrado", diz.
Se Lula deve mesmo ficar fora e seu candidato tem potencial de chegar ao segundo turno, por que então o PT ainda não efetuou a troca e ampliou o tempo disponível para propagandear Haddad como o "candidato de Lula"?
Para Schüler, a resposta não está no PT, mas na lógica que Lula escolheu para sua defesa pessoal. "Essa estratégia eleitoral nasce junto com a estratégia de Lula para lidar com a Justiça. O discurso da perseguição só pode existir se Lula for candidato. Esse discurso se retroalimenta, ajuda a defesa e a campanha. Nessa lógica, o PT é só uma variável. Já o partido faz uma avaliação pragmática que vai na mesma direção. É uma simbiose que vem dando resultados para os dois lados", diz.
"Como a campanha só deve mesmo esquentar na metade de setembro, e Lula nem considera a hipótese de se retirar da eleição por conta própria, então essa é a melhor estratégia que resta. Na pior das hipóteses, eles terão 20 dias para trabalhar na transferência de votos", conclui.
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