'Diminuir o ódio'
15 de novembro de 2007Daniel Barenboim é um verdadeiro cidadão do mundo. Judeu israelense-argentino de ascendência russa, ele tem por hábito questionar a forma como os fatos se lhe apresentam, tanto na qualidade de músico quanto na de ente político.
Nesta quinta-feira (15/11), o diretor musical da Deutsche Staatsoper, titular da orquestra Staatskapelle Berlin e pianista de exceção completa 65 anos.
Criança-prodígio, fenômeno
"A música pode ser a melhor escola para a vida, e ao mesmo tempo a melhor forma de escapar-lhe." Esta frase não só conclui a autobiografia de Barenboim, como é o leitmotiv de suas 330 páginas.
Ao abandonar Buenos Aires com a família para se radicar em Israel, aos 10 anos, seu caminho passa por Salzburgo. Lá o "menino-prodígio" dá o primeiro concerto como pianista. Dois anos mais tarde o grande maestro alemão Wilhelm Furtwängler o vê regendo e fala de um "fenômeno".
Daniel torna-se aluno-modelo da "escola musical da vida" e assim se expõe às feridas do mundo. Um fato com que muitos de seus compatriotas em Israel não se conformam até hoje.
O anti-semita em Jerusalém
Em 2001, ele causa um escândalo de proporções internacionais ao reger com a Staatskapelle Berlin um trecho do Tristão e Isolda de Richard Wagner em Jerusalém. Trazer o compositor anti-semita ao país dos sobreviventes do Holocausto é uma quebra de tabu sem precedentes. As conseqüências são críticas, insultos e chamados ao boicote.
Mais tarde Barenboim explicará: ele se decidira a apresentar Wagner na véspera após, durante uma coletiva de imprensa, ouvir um toque de celular: a Cavalgada das Valquírias, do mesmo compositor alemão.
Música como transgressão de fronteiras, linguagem lá onde as palavras talvez não digam o suficiente.
Orquestra goetheana
Em 1999, Daniel Barenboim reuniu em Weimar – a apenas poucos quilômetros do antigo campo de concentração de Buchenwald – israelenses, sírios, jordanianos, egípcios e palestinos numa orquestra jovem. Em alusão ao escritor Wolfgang Goethe, o grupo recebeu o nome West-Eastern Divan Orchestra.
Para o músico natural da Argentina, trata-se de um "esperançoso sinal para o futuro", onde, num conflito pleno de ódio, quase ninguém conhece as pessoas "do outro lado".
Há apenas dois critérios de admissão na West-Eastern Divan: competência musical e o ponto de vista de que a guerra não é um meio de resolver os conflitos no Oriente Médio. Ao longo de poucos anos, a orquestra já tocou em numerosos países.
Beethoven pela paz
Em 2002, em Ramallah, Barenboim executou para um público de estudantes a Sonata "Ao luar", de Ludwig van Beethoven. A capital "de fato" da Palestina encontrava-se então marcada por combates.
"Não sou político", declarou ao jovem público. Mas, apesar de não ter um plano para acabar com o conflito, é capaz de fazer música, continuou. "E espero contribuir um pouco para diminuir o ódio."
Há anos existe em Ramallah, e recentemente também em Berlim, um jardim-de-infância especial, iniciado por ele. Sua finalidade não é a educação musical, mas sim a educação através da música. "Pois não acho bom que a música seja feita ou para ricos ou para pobres."
Humanista distanciado
O maestro lamenta que as aulas de música sejam as menos freqüentadas nas escolas alemãs. Segundo ele, o fato demonstra que o ensino se tornou vítima da burocracia.
Em seus concertos na Filarmônica de Berlim, o músico de 65 anos parece menos acessível do que os colegas Simon Rattle ou Ingo Metzmacher. Porém o mais idoso deste triunvirato de grandes regentes continua sendo o que mais se preocupa em divulgar a mensagem humanista, nos talkshows e debates políticos de que participa. (av)