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Rússia impõe seu currículo em escolas da Ucrânia ocupada

Lilia Rzheutska
9 de janeiro de 2024

Professores e pais são coagidos e ameaçados se as aulas em escolas dos territórios ocupados não forem em russo e seguindo o currículo determinado por Moscou.

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Foto de Vladimir Putin em livro de história para a Ucrânia ocupada
Novos livros de história justificam a atual guerra na Ucrânia, iniciada pelo presidente russo Vladimir PutinFoto: Yuri Kadobnov/AFP/Getty Images

Pais e professores nas regiões da Ucrânia ocupadas pela Rússia estão enfrentando intimidações e ameaças para adotarem a nova política educacional imposta pelo governo russo. As novas regras forçam os professores a trabalhar em russo e a seguir um currículo escolar russo, que também inclui novos livros de história que justificam a atual guerra russa na Ucrânia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, iniciou a invasão em grande escala da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. Em setembro seguinte, Moscou declarou a anexação de quatro regiões ucranianas (Zaporíjia, Kherson, Donetsk e Luhansk), mesmo tendo apenas controle parcial dos territórios.

A invasão interrompeu a educação de milhares de alunos. Agora, as escolas no leste da Ucrânia se tornaram mais um campo de batalha, desta vez pelos corações e mentes das crianças ucranianas.

"De manhã, meu filho vai para a escola, onde somos obrigados a falar russo com nossos alunos e a lecionar usando livros russos", conta uma professora ucraniana, que também é mãe de um jovem aluno de uma região ocupada. "À noite, damos aulas online em ucraniano e ensinamos a eles sobre as nossas coisas."

Questões de língua, história e identidade estão no cerne do conflito russo-ucraninao mesmo antes da invasão. Milhões de cidadãos da Ucrânia falam russo como língua materna. Após os protestos da Praça da Independência (Euromaidan), em 2014, Kiev aprovou leis que obrigam o uso mais amplo do ucraniano na vida pública, inclusive nas escolas, na televisão e entre os funcionários do setor público. Na época, Moscou acusou o governo ucraniano de discriminar a minoria russófona.

Educação como propaganda

A eclosão da guerra em 2022 levou a direção a fechar a escola local, conta a professora ucraniana, pedindo para permanecer anônima. Por quase um ano, as crianças assistiram a aulas online com base num currículo ucraniano. Em agosto de 2023, no entanto, soldados russos abordaram os professores e os forçaram, sob a mira de armas, a passar a usar o idioma russo, com livros didáticos e seguindo um currículo da Rússia.

"É difícil, nenhuma das crianças do nosso vilarejo fala russo, elas simplesmente não entendem as aulas, especialmente nas séries iniciais. É por isso que ensinamos lá como uma formalidade, e à noite, em casa, ensinamos em ucraniano", explica a professora. "Mas só quando há internet, e muitas vezes ela é fraca demais para o ensino online ou não há nenhum sinal."

Em seu relatório de dezembro de 2023, a ONG de direitos humanos Anistia Internacional acusou a Rússia de transformar a educação numa máquina de propaganda para a doutrinação infantil e de tentar "erradicar a cultura, o patrimônio e a identidade ucranianos".

"Nos territórios ocupados pela Rússia, intimidação e coerção são uma realidade diária para famílias, crianças e professores. Ninguém está seguro sob a interminável campanha de terror da Rússia", analisa a pesquisadora Anna Wright, da Anistia Internacional.

Atualmente, Moscou controla em torno de 18% do território ucraniano, incluindo a península da Crimeia, anexada em 2014, de acordo com uma estimativa do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), dos Estados Unidos. Segundo a Anistia Internacional, citando o Ministério da Educação da Ucrânia, nas áreas ocupadas em dezembro de 2022 havia 918 instalações educacionais para crianças de 6 a 17 anos.

Nível maior de intimidação

Mesmo correndo riscos, alguns professores, alunos e pais começaram a "cavar buracos em seus jardins para esconder laptops e telefones celulares ou a se esconder em sótãos ou em galpões antigos para captar o sinal de celular" para as aulas online em ucraniano, de acordo com a Anistia.

A organização também conversou com uma bibliotecária da escola que teve de marcar encontros secretos com alunos para lhes entregar livros. Segundo ela, patrulhas militares russas frequentemente realizavam buscas em seu vilarejo.

As autoridades russas também ameaçam tirar as crianças dos pais para garantir o cumprimento da lei. Essa não é uma ameaça vazia na Ucrânia devastada pela guerra, onde consta que milhares de crianças foram deportadas à força para a Rússia e Belarus.

Uma mãe conta que se recusou a mandar seu filho de 15 anos para a escola. Mais tarde foi confrontada por homens de uniformes russos que ameaçaram mandar o menino para um orfanato na Rússia, se ele não começasse a frequentar as aulas.

De acordo com o relatório da Anistia, ao retornar para a escola, o garoto a encontrou decorada com símbolos do Estado russo e guardada homens armados, postados na porta e no interior do prédio.

Escola online para regiões ocupadas

A ativista ucraniana Violeta Artemchuk relata que todos os sites usados para aulas online na Ucrânia foram bloqueados e só podem ser acessados via VPN (virtual private network: rede particular virtual). "Os ocupantes estão verificando de perto todos os dispositivos de crianças e pais para identificar quem ainda estuda em escolas ucranianas."

Além disso, os pais recebem promessas de vantagens, como atividades extracurriculares gratuitas ou ingressos para piscinas, se optarem por passaportes russos, diz Artemchuk, diretora da ONG Donbass-SOS, cujo objetivo é ajudar os civis nas zonas ocupadas.

A ativista Valentina Potapova, nascida na Crimeia e diretora da ONG Almenda, pede ao governo da Ucrânia que crie uma escola online especificamente para as crianças dos territórios ocupados, permitindo-lhes estudar a língua e a história ucranianas.

Segundo Potapova, essa sugestão existe desde a ocupação da Crimeia, em 2014, e da criação de governos pró-russos ilegais nas regiões ucranianas de Donetsk e Luhansk. Entretanto, como Kiev nunca a adotou, uma geração inteira de crianças nos territórios ocupados acabou sendo prejudicada na última década, afirma.