"Racismo merece punição severa", diz Zé Roberto
14 de maio de 2005Os oito anos de Europa deram a Zé Roberto um ar intelectualizado. O garoto que cresceu envolvido com a pobreza, falta de segurança e diversos outros fatores que lhe ofereceram no Brasil caminhos tortuosos para a vida, encontrou na Alemanha uma rota para o sucesso.
Depois de um período curto com a camisa do Real Madrid, na Espanha, o meia, que se formou como atleta profissional atuando como lateral-esquerdo na Portuguesa, em São Paulo, desembarcou em solo germânico para defender o Bayer Leverkusen.
Foram quatro anos na cidade industrial, no oeste do país. Desde meados de 2002, ele vive na Baviera onde faz a torcida do Bayern de Munique festejar. São mais vitórias do que derrotas no sul da Alemanha. "Eu me sinto iluminado por Deus. A minha trajetória tem sido marcante, não consigo analisar de outra maneira", disse Zé Roberto em entrevista exclusiva à DW-WORLD.
A vida de incertezas e privações, que o obrigaram a trabalhar como vendedor ambulante e até açougueiro, aliada ao contato com um dos mais altos níveis culturais da Europa transformaram o jogador de futebol em um "homem completo e realizado", como ele se auto-avalia.
E com conhecimento e personalidade suficientes para encarar de frente e combater um dos fatos que denigrem a imagem alegre e de competição saudável do esporte: o racismo. "Isso não é legal, jamais deveria acontecer".
Zé Roberto não chegou a ser vítima dos torcedores europeus, mas acompanha de perto os casos que já se tornaram famosos. O de Grafite, do São Paulo, atacado moralmente por um argentino que joga no Quilmes, durante um jogo pela Copa Libertadores da América, e as constantes campanhas encabeçadas por atletas de alto nível no Velho Mundo.
A Espanha, a Itália e a Inglaterra também registram casos recentes. O ala Roberto Carlos, mundialmente consagrado com a camisa pentacampeã mundial e que carrega o peso do Real Madrid, é uma vítima conhecida. Atletas africanos também são "alvos fáceis" da ira de um sem-número de torcedores que vêm recebendo punições e, paralelamente, penalizando seus clubes com multas pesadas.
Para o brasileiro, o futuro do futebol, além da evolução da educação por parte de algumas torcidas, ainda lhe reserva coisas boas antes do encerramento da carreira: um título da Copa da Alemanha, neste mês, e o hexacampeonato mundial em 2006, em "casa". São os sonhos de Zé Roberto.
DW-WORLD – Como vem sendo a comemoração pelo título da Bundesliga, conquistado já há duas rodadas e com quatro finais de semana de antecedência em relação ao final do campeonato?
Zé Roberto – A comemoração já acabou. Comemoramos depois do jogo contra o Kaiserslautern, quando fomos campeões, saímos à noite, no outro dia também festejamos, mas logo voltamos a treinar de maneira séria. Voltamos a nos concentrar porque sabemos da final contra o Schalke. A comemoração já passou, estamos voltados à final da Copa da Alemanha.
Qual a sua avaliação a respeito do Bayern nesta temporada? O time foi campeão com antecedência, escorregou na Liga dos Campeões e nas últimas partidas da Bundesliga conseguiu vencer apenas no final...
Eu achei que o time fez uma ótima temporada. Não só na Bundesliga, mas também na Liga dos Campeões. Pegamos grandes equipes, jogamos contra favoritos e saímos nas quartas-de-final. Após a eliminação pegamos uma seqüência de jogos sem perder, abrimos vantagem sobre o Schalke e conseguimos ganhar o campeonato. A avaliação é positiva, e o nosso pensamento agora é ganhar mais um título, que é a Copa da Alemanha. Nas quartas-de-final da Liga dos Campeões, ganhamos o campeonato com antecedência e estamos na final da Copa. É excelente.
Até aonde uma equipe como esta pode evoluir? Até aonde o Bayern pode ir?
Já estamos no final da temporada. Faltam três semanas e acredito que a evolução terá continuidade na próxima temporada. Terminando essa, se formos campeões da Copa [da Alemanha], terminamos com mais prestígio e isso irá ajudar na próxima temporada. Teremos um novo estádio, totalmente diferente daquele em que jogamos hoje. Será uma arena, com a torcida mais perto. Hoje ficamos longe e a torcida incentiva muito, imagine agora numa arena. Vai ajudar muito. E mantendo a base do time e a mentalidade do treinador, com certeza, dá para ir mais longe no ano que vem.
O que mudou com a troca de Ottmar Hitzfeld por Felix Magath?
Mudou bastante coisa. O Magath é um treinador general, um comandante mesmo. E essa mentalidade e essa forma de comandar foi perdida pelo Hitzfeld. Ele já havia vencido tudo no clube, estava há muitos anos aqui e a maior parte dos jogadores já não o respeitava mais da maneira que merecia. O Magath renovou isso. A forma rígida dele conseguiu renovar esta mentalidade que havíamos perdido.
Ele tem condições de fazer história no clube, assim como fez seu antecessor?
Eu acredito que sim. Se continuarmos nesta direção, da forma que iniciamos e terminamos a temporada, com uma mentalidade de vencedores, eu acredito que são grandes a possibilidades, sim.
Como está a preparação para a final da Copa da Alemanha, contra o Schalke, no dia 28 deste mês?
Estamos focalizados só nisso. Já estamos nos preparando apesar de faltarem algumas semanas. Há dois anos, conquistamos o título [da Bundesliga] com quatro ou cinco jogos de antecedência e fomos para a final da Copa, e agora está sendo da mesma forma. Mas eu vejo uma diferença. Agora estamos mais concentrados nos treinos, e isso é positivo.
Os jogadores do Schalke, que perderam a Bundesliga vacilando na reta final, certamente querem este título a qualquer custo. O que uma eventual conquista significa para o Bayern, ou o título do Campeonato Alemão já basta para a torcida?
Não, não. Todo mundo está esperando essa conquista dupla. O Campeonato, que já foi ganho, e agora a Copa. Queremos voltar a ganhar os dois campeonatos, e o nosso pensamento não é outro. Voltar a ganhar a Copa da Alemanha e, no ano que vem, buscar mais concentração para conquistar a Liga dos Campeões, um título que já faz algum tempo que o Bayern não ganha.
E para você, pessoalmente, mais um título na Alemanha...
Ah, com certeza. Para mim este título alemão foi um prestígio. Estou há oito anos aqui e voltar a ganhar a Copa agora seria algo para coroar a minha carreira. Para fazer parte da minha história.
Você é um dos brasileiros que há mais tempo joga aqui, ou que passou mais tempo no país. O que você pode dizer do futebol alemão em relação aos outros grandes centros da Europa?
O futebol alemão é mais de força, de luta. É parecido com o futebol italiano, mas diferente do espanhol e do inglês. Eu particularmente aprendi e cresci muito profissionalmente jogando aqui na Alemanha. Tenho características de habilidade, drible e aprendi muito a assimilar isso com a força. Antes eu só tinha a habilidade, e passei a melhorar na marcação. Isso me torna mais versátil e me ajuda muito na seleção brasileira. Posso atuar no ataque e na defesa. Isso depende da liberdade que o treinador me dá, mas posso fazer as duas funções. Isso eu consegui adquirir aqui.
Quanto tempo demorou e como se deu a sua adaptação ao país?
A minha adaptação, por incrível que pareça, foi muito rápida. Só foi difícil pegar o idioma, mas a forma de jogar foi rápida. Em seis meses estava adaptado. Quando cheguei ao Leverkusen, fiquei um ou dois jogos no banco para ver como o time jogava e depois eu passei a jogar e fui embora. Deslanchou e o idioma veio naturalmente.
Recentemente você completou 500 jogos na carreira. Que balanço pessoal você faz de sua trajetória desde a época em que se destacou na Portuguesa, no Brasil?
É uma história que eu defino como marcante. Hoje, fazendo uma balanço, percebo que são 500 jogos, quase dez anos na seleção brasileira, mais de 100 convocações, mais de 60 jogos pela seleção, sete anos na Alemanha, passando por grandes clubes. O balanço é que me sinto iluminado por Deus. Só um jogador iluminado chegaria onde eu cheguei e atingiria essas marcas tendo saído de onde eu saí e passado por tantas dificuldades. Se eu olhar lá atrás, eu posso dizer que se não fosse Deus, eu não estaria aqui. Na minha infância tinha dificuldades para conseguir dinheiro para ir aos treinos, e havia uma briga em casa. Meu pai queria que eu estudasse e minha mãe queria que eu jogasse. Até os 14, 15 anos, cheguei a trabalhar como office boy, vendi saquinhos de lixo na rua e até a cortei carnes. Numa auto-análise, me vejo como um ex-trabalhador e agora um jogador. Deu para aprender muita coisa. Me sinto um privilegiado.
Com tudo isso o que você citou, aliado ao reconhecimento internacional, você já chegou a planejar a sua aposentadoria? Ou isso ainda é cedo?
Não, ainda é cedo. O meu maior objetivo é disputar a Copa do Mundo em 2006 e penso em continuar enquanto me sentir bem.
Aqui na Europa tem surgido uma série de campanhas contra o racismo. Você já sofreu com este tipo de coisa nesses oito anos, desde que vestia a camisa do Real Madrid? E qual a sua opinião sobre essas campanhas?
Eu acho que essas campanhas são legais, são boas. Todos nós somos seres humanos independentemente de cor, de raça e de nação. E fazer uma campanha contra o racismo é positivo, e eu sou a favor. Eu nunca tive nenhuma dificuldade neste sentido, nunca passei por isso. Nunca fui insultado durante estes oito anos. Mas acho que deve haver punição forte por parte dos organizadores, no caso a Fifa, que está à frente do futebol. Até mesmo entidades deveriam intervir. Como temos visto muitos jogadores fazendo anúncios contra o racismo, é claro que sou a favor. Todos somos seres humanos, e deve haver respeito sempre. Já houve [caso de racismo] no Brasil, na Inglaterra, na Itália e deve haver punição para que isso não aumente e nem gere algo mais polêmico.
Você já imagina a Copa das Confederações aqui na Alemanha, no próximo mês?
Eu ainda não sei. Vai depender do grupo que o professor Parreira vai trazer. Se eu jogasse, perderia as minhas férias. Mas eu quero jogar, é dentro da Alemanha. Férias terei muitas depois que parar de jogar.
O que este torneio significa para a seleção brasileira?
De todas as que eu participei, sempre foi um torneio de observação para o treinador. O Brasil sempre levou um time mesclado, nunca um titular que vem jogando nas Eliminatórias. Então eu vejo mais como um ensaio para a Copa. O Parreira tem muitas opções, o Brasil está repleto de grandes jogadores e ele vai observar. Vamos para ganhar, assim como os outros, independentemente de quem jogar.
E a Copa do Mundo? Se o Brasil encontrar dificuldades, já que lidera o ranking da Fifa há tanto tempo, quais serão?
Toda Copa oferece uma dificuldade. Trata-se de grandes seleções, e vemos comentários por aqui que as grandes seleções, de tradição, como a Alemanha, a Argentina, a própria França, a Holanda, a Itália, a Espanha são equipes que querem ser campeãs mundiais. Até porque querem tirar este favoritismo do Brasil, pentacampeão. Eles não querem que o Brasil se distancie tanto. Isso pode dificultar um pouco para nós. A Alemanha vai entrar com tudo. Podemos conquistar o sexto mundial, o que para as outras seleções não seria bom. Eles farão de tudo para voltar a vencer.
No começo da temporada você quase trocou de clube. Alguns times de outros países, entre eles da Turquia, chegaram a demonstrar certo interesse por você. Pretende mudar de país em breve?
Não. O que houve no meio do ano foi mais especulação, não houve contato com nenhum clube. Houve rumores, mas não tive nenhum pensamento em mudar de clube. Hoje também não penso assim. Meu contrato termina agora no meio deste ano e eles já me chamaram para uma renovação, mas está um pouco difícil. Eles querem reduzir, e há uma pequena dificuldade. Mas há a possibilidade de renovação, sim.