Recuo de Trump mantém incerteza para milhares de crianças
21 de junho de 2018Apesar de o presidente americano, Donald Trump, ter assinado uma ordem executiva para impedir que filhos de migrantes sejam separados dos pais na fronteira com o México, ativistas ainda se preocupam com a situação de milhares de crianças afetadas por uma política migratória de tolerância zero imposta pelo governo.
O ativista de direitos humanos Hugo Castro disse que participará de uma manifestação que deve atrair milhares de pessoas a San Diego no próximo fim de semana. "Famílias devem ficar juntas", lê-se nos cartazes que ele prepara com a ajuda de outros manifestantes.
"[A ordem executiva assinada por Trump] não é suficiente", afirmou Castro, coordenador da ONG Border Angels (Anjos da Fronteira), organização que oferece consultas legais gratuitas a imigrantes e fornece água a regiões quentes do deserto onde as pessoas costumam arriscar a vida na travessia do México para os EUA.
Embora a revogação da política de Trump tenha sido saudada por ativistas e outros grupos que lutam pelos direitos dos migrantes, eles também dizem que a decisão não faz nada para ajudar as crianças já traumatizadas ou para tratar a raiz do problema.
"Temos que mudar a visão que Donald Trump está injetando nos americanos de que os migrantes são menos que humanos", afirmou Castro à DW.
Na quarta-feira (20/06), Trump assinou a ordem executiva para suspender as separações familiares, mas manteve a política de tolerância zero de sua administração, que revê que todos aqueles que tentarem cruzar ilegalmente a fronteira em direção aos EUA, inclusive requerentes de refúgio, sejam indiciados. A prática gerou indignação pública e foi amplamente vista como uma política ineficaz e cruel que causaria danos permanentes ao bem-estar das crianças.
Além das imagens de menores em meio a cercas de arame e dormindo no chão com cobertores de emergência, áudios divulgados pela agência de jornalismo independente ProPublica, com filhos chorando e pedindo pelos pais, geraram condenação internacional e uma onda de apelos aos legisladores americanos.
Uma pesquisa publicada na segunda-feira pela Universidade Quinnipiac mostrou que dois terços dos americanos eram contra a separação das crianças de seus pais, mas a maioria dos eleitores republicanos apoiava a ideia.
Um dia antes da revogação ordenada por Trump, alguns manifestantes estiveram do lado de fora de um abrigo em El Cajon, cidade do condado de San Diego, que acomodava algumas das crianças que haviam sido separadas de suas famílias.
"Eu não sou uma pessoa muito política, mas é preciso combater isso", disse o morador Anthony, que segurava placas na beira da estrada com dois de seus filhos. "Essas pessoas vieram aqui em busca de ajuda e, em vez disso, as crianças foram arrancadas de suas famílias. Acho que isso está errado, especialmente por também ser pai."
O que vai acontecer com as crianças retiradas dos pais?
Segundo dados oficiais do governo americano, ao menos 2.300 crianças foram separadas de seus familiares na fronteira do país com o México entre 5 de maio e 9 de junho. O fato de Trump ter cedido à pressão não ajuda os menores já retirados de suas famílias.
A probabilidade de que eles se juntem rapidamente a seus pais – se for o caso – parece pequena. Autoridades do governo americano disseram na quarta-feira que não têm planos de como reuni-los.
Muitos dos menores já estão em abrigos operados por grupos sem fins lucrativos contratados pelo governo para cuidar do que os EUA chamam de Crianças Estrangeiras Desacompanhadas – menores migrantes que vieram para os EUA sem um tutor. Segundo o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, essas crianças passam em média menos de dois meses nessas instalações.
Enquanto algumas conseguem eventualmente se juntar às suas famílias, se os pais forem capazes de tirar o nome deles do sistema criminal federal, outras entram num sistema social de guarda de crianças já sobrecarregado.
Processos criminais generalizados e sentenças contra imigrantes não são novidade nos Estados Unidos, mas a política de tolerância zero significa que as autoridades devem deter todos, incluindo pessoas que cometeram infrações menores.
"Historicamente, se essas pessoas fossem requerentes de refúgio, nós não as processaríamos criminalmente. Não haveria necessidade se estivesse claro que elas estavam apenas tentando entrar no país procurando segurança", disse à DW Bardis Vakili, advogado sênior da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU). Sua organização entrou com uma ação coletiva, representando famílias cujos filhos foram retirados nos locais de entrada.
Ponta do iceberg dos problemas migratórios
Manter as crianças detidas indefinidamente ao lado dos pais pode ser ligeiramente melhor do que separar as famílias, mas muitos em San Diego afirmam que o problema é mais profundo e reflete a perigosa retórica do governo Trump sobre os latino-americanos.
"As pessoas estão cansadas de ver as vítimas da migração forçada sendo tratadas como criminosas", afirma Castro, referindo-se aos centro-americanos que fugiram da violência em seus países para os Estados Unidos. "Esta é uma nação construída por imigrantes. As percepções precisam mudar."
Castro disse ver um aspecto positivo na questão: o caos chamou a atenção dos americanos para o sofrimento dos imigrantes na fronteira sul dos Estados Unidos. De outra forma, eles não teriam interesse, mas seu apoio é fundamental para a reforma das políticas de imigração. Mas para as milhares de crianças que foram separadas de seus pais desde o início de maio, o dano já foi causado.
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