Reino Unido planeja controverso memorial do Holocausto
11 de agosto de 2021Depois de vários anos em planejamento, finalmente a luz verde foi dada: o coração de Londres abrigará um memorial do Holocausto e um centro educacional. De acordo com o governo britânico, o objetivo é criar um espaço nacional para homenagear os 6 milhões de judeus vítimas da Shoah (termo hebraico usado para o Holocausto).
Além disso, todas as outras vítimas do nazismo também serão homenageadas, incluindo membros das etnias nômades sinti e roma, homossexuais e pessoas com deficiências, segundo comunicado à imprensa por parte de autoridades londrinas.
O centro educacional afiliado também tratará de genocídios posteriores, incluindo os ocorridos em Camboja, Ruanda, Bósnia e Herzegovina e Sudão. A entrada será gratuita.
Apesar de, segundo comunicado oficial, se tratar do primeiro memorial e centro educacional sobre o Holocausto do Reino Unido, já existe um Jardim Memorial do Holocausto no Hyde Park de Londres.
Monumento polêmico
A construção do memorial no distrito de Westminster erou polêmica ainda na fase de planejamento. Apresentado pelo ex-primeiro-ministro conservador David Cameron em 2014, o projeto foi inicialmente rejeitado pelas autoridades locais em 2018, sob os argumentos de que a localização, no Hyde Park, é muito próxima de outros monumentos em Londres e de que não há espaço suficiente.
O governo do atual primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, conseguiu convencer as autoridades locais em 2019, mas a escolha do local também foi criticada por acadêmicos.
Cientistas de universidades britânicas rejeitaram veementemente a construção de um memorial do Holocausto próximo a edifícios do governo e do Parlamento britânico em Westminster. Eles temem que isso possa dar peso exagerado ao papel que o governo britânico da época desempenhou em salvar judeus e outras vítimas do nazismo.
Em 2018, 42 pesquisadores assinaram uma carta aberta, entre eles a renomada professora Shirli Gilbert, que pesquisa a história judaica na University College London. A carta afirmava que os estudiosos temiam que o Reino Unido fosse se retratar como uma vitoriosa nação com currículo repleto de salvamentos heroicos, o que não corresponde à pesquisa histórica.
Essa preocupação não é compartilhada por Jean-Marc Dreyfus, historiador e professor de estudos do Holocausto na Universidade de Manchester.
"O esboço do memorial é muito vago para retratar o Reino Unido como uma heroica nação salvadora", alegou, em entrevista à DW. Mas Dreyfus considera exatamente isso como algo problemático. "O memorial não contém um símbolo da Shoah, é extremamente neutro por fora. Poderia também remeter a algo completamente diferente."
Também não está claro a quem este memorial é dedicado: aos cidadãos judeus britânicos que fugiram para o Reino Unido; a todas as vítimas judias da Shoah ou a todos os perseguidos pelo nazismo.
Dreyfus diz acreditar que é preciso entender que há uma ligação entre o novo memorial e o Brexit. Segundo ele, as decisões – Brexit e a construção do memorial – foram tomadas no mesmo contexto, no mesmo período de tempo e foram impulsionadas por governos conservadores. "Para o governo, o memorial serve de justificativa para o Brexit, por assim dizer: 'Vejam o que aconteceu na Europa naquela época – e da qual não fazemos mais parte'."
Memória global do Holocausto
Andrea Löw, professora do Centro de Estudos do Holocausto em Munique, enfatizou em conversa com a DW o quão internacional é a memória da Shoah. Existem museus, instituições educacionais e memoriais na Cidade do Cabo, em Sydney, Budapeste, Israel, Washington, na América do Sul, exemplificou. Para Löw, pode-se falar numa recordação global do Holocausto.
No momento, segundo a historiadora, o foco principal é a importância de passar da recordação ritualizada à individual. "Assim que eu conto especificamente sobre as pessoas no Holocausto e a vida que elas levavam antes, sobre seus sonhos e desejos para o futuro, sobre como reagiram à perseguição, como se comportaram, ninguém mais acha isso chato", diz Löw.
E é por isso que os historiadores na Alemanha têm trabalhado nos últimos 20 anos cada vez mais com diários e relatos de testemunhas, aponta.
"Como historiadores, consideramos nossa tarefa levar adiante a mensagem das testemunhas que agora estão nos deixando. Por isso, tantas testemunhas falaram, e tantas pessoas que viveram em guetos alemães escreveram diários – a vontade e o desejo sempre foram que a Shoah nunca fosse esquecida", diz.
"Quando o ódio reinou"
Neste contexto, o historiador Dreyfus também destaca a importância do centro educacional que será construído no Hyde Park de Londres. "Esta é uma boa notícia para a recordação da Shoah, que deve continuar", disse.
Dreyfus espera que o centro desencadeie entre a população britânica um debate mais histórico e baseado em fatos sobre a Shoah. Este ainda não é o caso: a recordação britânica do Holocausto começou somente nas décadas de 1990 e 2000 e sempre ostentou um caráter vago, segundo Dreyfus, o que agora pode mudar.
A historiadora alemã Löw também enfatiza a grande importância dos centros educacionais complementares a memorais do Holocausto em muitos lugares.
O memorial britânico e o associado centro educacional serão construídos em Londres com base em um projeto dos escritórios de arquitetura Adjaye Associates, Ron Arad Architects e Gustafson Porter+Bowman. O início da obra está agendado para este ano, e o planejamento indica que o memorial deve ser concluído e ser aberto à visitação em 2025.
No comunicado de imprensa do governo britânico, o sobrevivente britânico do Holocausto Sir Benjamin Helfgott comentou a construção do memorial. "Estou orgulhoso por ele estar sendo erguido no coração do nosso país", disse. "Sei que bem depois que eu e outros sobreviventes não estivermos mais aqui, o Reino Unido vai continuar se lembrando do Holocausto e aprendendo o que aconteceu quando o ódio reinou."