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Religião tem papel central na Cúpula Humanitária de Istambul

Astrid Prange (av)22 de maio de 2016

Tão associada a fundamentalismos, terrorismo e violência, a fé ainda tem potencial de promover a paz e o progresso? Essa é uma das premissas do encontro internacional promovido pelas Nações Unidas.

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Cúpula Humanitária Mundial de Istambul é a primeira do gênero
Cúpula Humanitária Mundial de Istambul é a primeira do gêneroFoto: picture alliance/AA/M. Keles

A religião é, sabidamente, capaz de mover montanhas. E, para intensificar sua quase onipresença no mundo, ela passará agora a se engajar mais pelo progresso econômico das nações pobres, ajudando refugiados a construírem uma nova vida e se empenhando por mudar as condições sociais que são solo fértil para os grupos terroristas islâmicos.

Pelo menos é o que desejam as grandes instituições doadoras e os chefes de Estado presentes na Cúpula Humanitária Mundial, que se realiza em 23 e 24 de maio de 2016, em Istambul. O encontro único, em seu gênero, foi promovido pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, para quem "a humanidade presencia a maior catástrofe humanitária desde a Segunda Guerra Mundial".

O tema religião consta no topo da pauta da cúpula. Numa sessão especial na segunda-feira, representantes de diversas comunidades de fé estão convidados a expor à comunidade mundial as contribuições que podem prestar na superação das diversas crises humanitárias em curso.

Ministro alemão Gerd Müller no Quênia
Ministro alemão Gerd Müller (c:) não deixa esquecer que religião também gera violência e terrorismoFoto: picture-alliance/M. Gottschalk/BMZ-Poolfoto

Avanço com a religião – e não contra

Entre os participantes na metrópole turca também está o ministro alemão de Cooperação Econômica e Desenvolvimento, Gerd Müller. "Em muitos países, os chefes religiosos dispõem de grande prestígios", declarou à DW. "Precisamos utilizar esse potencial, sem fechar os olhos para o fato de que a religião também é instrumentalizada para a violência e o terrorismo."

Em colaboração com os grandes protagonistas internacionais de ajuda humanitária, Müller pretende explorar o potencial religioso, sobretudo do islã, para a paz e o desenvolvimento. Seu ministério está desenvolvendo um novo programa antiterror, sob o título International Partnership on Religion and Sustainable Development" (PaRD).

"As comunidades religiosas realizaram um trabalho importante, em todo o mundo, no setor da saúde, educação, nutrição e abastecimento de refugiados", afirma o político social-cristão. Cerca de 80% da população mundial se define como crente, "por isso, em muitos assuntos só é possível avançar com – e não contra – a religião".

A iniciativa do ministro Müller é saudada por associações muçulmanas como a Islamic Relief Deutschland. "O governo alemão certamente se alegra pela nossa existência; construímos muito na Síria", afirma a porta-voz da entidade humanitária, Nuri Köseli.

Sepultamento de vítima do ebola em Serra Leoa
Ritos fúnebres tradicionais africanos promoviam alastramento do ebolaFoto: AFP/Getty Images

Sacerdotes avançam onde autoridades fracassam

A Islamic Relief Deutschland é uma das maiores contribuintes de sua organização-mãe internacional, a Islamic Relief Worldwide (IRW), ativa em 40 países. Em 2014, 113 milhões de euros foram disponibilizados à ONG, que entre seus parceiros conta com os ministérios britânico e sueco do Desenvolvimento, agências humanitárias da ONU, a União Europeia, a Aliança Mundial Luterana e a agência católica Cafod.

Um relatório conjunto da Cafod e da IRW sobre o combate ao ebola na África Ocidental ilustra quão importante pode ser a cooperação com líderes religiosos em regiões de crise. Lá, sacerdotes muçulmanos e cristãos conseguiram, com argumentos religiosos, algo em que autoridades estatais e agências da ONU haviam fracassado: modificar os ritos fúnebres tradicionais e, assim, deter a difusão da epidemia.

As taxas de contágio só caíram do momento em que padres e imãs conseguiram comunicar aos parentes em luto, de forma convincente, que uma despedida digna também era possível sem contato físico. Até então, o manuseio dos cadáveres contaminados garantia o alastramento meteórico do ebola.

"Se os líderes religiosos estivessem integrados desde o início, teríamos salvo muitas vidas humanas", afirma o relatório da Cafod e IRW Keeping the faith (Mantendo a fé), que voltará a ser discutido na Cúpula Humanitária.

Igreja destruída pelo "Estado Islâmico" na Nigéria
"Estado Islâmico" destrói casas de cristãos e igrejas na NigériaFoto: picture-alliance/dpa/Stringer

Igrejas como pioneiras

A cooperação com chefes religiosos já se apoia em anos de experiência. O ministério alemão do Desenvolvimento trabalha há mais de 50 anos, com sucesso, junto a órgãos humanitários eclesiásticos como a Brot für die Welt e a Misereor, transferindo anualmente para seus projetos 200 milhões de euros.

Um dos principais protagonistas da assistência humanitária e da cooperação para o desenvolvimento é o Aga Khan Development Network (AKDN). A rede leva o nome do chefe religioso dos ismaelitas nizari, uma corrente xiita do islã, dispondo de 80 mil colaboradores e de um orçamento anual de 625 milhões de dólares.

Mas, apesar de todos os esforços pelo diálogo e cooperação, também na Cúpula Humanitária Mundial fica evidenciado o cisma que separa as alas de fé. Pois uma instituição foi intencionalmente excluída do convite a Istambul, a International Islamic Relief Organization of Saudi Arabia.

Como as demais, a entidade criada em 1979 por um decreto do rei da Arábia Saudita presta assistência humanitária. Contudo ela também financia a construção de mesquitas, sendo suspeitada pela ONU de apoiar islamistas radicais.