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Coluna de Letras

Simone de Mello28 de junho de 2007

Nos últimos anos, a religião se deslocou para o centro do discurso intelectual europeu, geralmente para abordar a religiosidade dos outros. Mas há indícios de que o tabu esteja diminuindo entre intelectuais.

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Novo Testamento na versão de Martinho LuteroFoto: AP

O crescente espaço que a religiosidade vem conquistando na opinião pública européia, em decorrência dos atritos inter-religiosos vindos à tona nos últimos anos, coloca a intelectualidade em um dilema. É que, por mais que a reflexão européia nunca tenha hesitado em enveredar por âmbitos pouco apreensíveis à razão científica, a religiosidade ainda gera a suspeita de irracionalismo e de risco alienador e manipulador.

Se este tipo de suspeita costuma se dirigir sobretudo contra as religiões "não autóctones", por assim dizer, como o islamismo, fato é que o conservadorismo cristão – sobretudo católico – esporadicamente também entra em conflito aberto com o livre pensar. A exclusão de autores como Goethe, Kafka, Dostoiévski e outros clássicos europeus dos currículos escolares da Polônia representa um momento recente desta tendência, com grande repercussão.

A decisão do Ministério da Educação Popular em Varsóvia, assumido pelo vice-premiê Roman Giertych, presidente da Liga Católica Nacional das Famílias Polonesas, gerou perplexidade generalizada, sendo encarado como ato de barbárie. Como se não bastasse excluir autores que pertencem à quintessência da haute culture européia, o ministro incluiu na nova lista de leituras curriculares do ensino público um livro de autoria de Karol Wojtyla e uma biografia deste papa polonês.

Até a Suhrkamp?

Se um ato desses é avaliado unanimemente como fundamentalismo religioso, a ser combatido na Europa, mais sutil é o desconforto gerado pela iniciativa da editora Suhrkamp de criar um selo separado para editar textos religiosos.

A nova Verlag der Weltreligionen (Editora das Religiões do Mundo) se propõe a publicar as escrituras e textos canônicos de diversas religiões em novas traduções comentadas, além de introduções teóricas e ensaios sobre a atuação das religiões no mundo.

Sobretudo partindo da Suhrkamp, uma editora que definiu e continua marcando a identidade cultural alemã como uma instância crítica da produção de saber, a iniciativa se confronta, por enquanto, com o ceticismo da opinião pública. O fato de se criar uma editora separada e não apenas uma coleção com títulos relativos a religião gerou a suspeita de que o programa editorial possa escapar à credibilidade garantida pela chamada "cultura Suhrkamp".

Um outro temor expresso na imprensa alemã é o de que a precisão filológica prometida pela nova editora seja apenas uma fachada para esconder a propagação de uma onda de esoterismo. Mas foi sobretudo a citação de teólogo conservador Joseph Ratzinger, atual papa Bento 16, no almanaque que prepara o lançamento da editora, que gerou uma certa irritação nos jornais. Vaticano e Suhrkamp: este seria um cruzamento absolutamente improvável há alguns anos.

Embalagem científica

"A globalização traz consigo correntes migratórias reais e virtuais que estão levando as culturas a se defrontarem", explicou o germanista e filólogo Hans-Joachim Simm, presidente da nova editora, em entrevista ao jornal Die Zeit. "Isso gera inseguranças e conseqüentemente a necessidade de orientação religiosa. Em princípio, continua valendo dizer que as religiões são um desempenho cultural do ser humano e, por isso mesmo, não dependem de conjuntura. Seja como for, a qualidade poética dos textos se mantém atemporal."

Apesar de a opinião pública alemã se alarmar com qualquer indício de que o saber laico esteja em perigo, o argumento da "abordagem científica" sempre acalma os ânimos. O diretor da Verlag der Weltreligionen também promete comentários cuidadosos aos textos religiosos e descarta o risco de que uma editora especializada em religião possa implicar uma despolitização do pensamento. Inclusive, Goethe – excluído do currículo escolar polonês pelos políticos ultracatólicos – também consta do programa da editora, como objeto de um estudo sobre a "religião terna".

Resta saber até que ponto o argumento da cientificidade continuará sendo convincente como demarcação entre apreciação intelectual e adesão religiosa. Seja como for, não há como negar que o tabu da religiosidade vem se dissipando nitidamente entre os intelectuais.