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Repetição de impasse político pode minar credibilidade do dólar

Robert Mudge (fc)18 de outubro de 2013

Americanos chegaram perto de uma crise fiscal criada por eles mesmos, mas se salvaram após maratona de negociações. Porto seguro para investidores estrangeiros, moeda saiu quase ilesa, mas pode não resistir a nova crise.

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Foto: picture-alliance/dpa

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os investidores internacionais têm no dólar uma aposta segura, garantido pela fé plena na economia americana. Em tempos difíceis, eles investem seu dinheiro em títulos da dívida do Tesouro dos EUA para passar sem grandes riscos pela tempestade. Mas, nestes últimos dias, Washington tem sido observada de forma diferente.

Na quarta-feira (16/10), democratas e republicanos foram capazes de alcançar um acordo no último minuto. A inabilidade em chegar a um consenso mais rápido para aumentar o limite do endividamento do governo americano causou a paralisação quase total das repartições públicas – o famoso shutdown – pela primeira vez em 17 anos.

Mas o esforço dos republicanos em mais uma vez usar o teto da dívida para alavancar as negociações do orçamento federal com o presidente Barack Obama, colocando em risco o pagamento da dívida americana, falhou. O impacto na confiança dos investidores seria alto.

A extensão do limite de endividamento até fevereiro de 2014, porém, não garante que os EUA deixaram a zona de perigo. No verão de 2011, só a ameaça de um calote provocou pela primeira vez na história o rebaixamento da nota dos EUA pelas agências de classificação de risco.

"Ninguém sabe aonde isso poderá chegar", afirma Axel Merk, presidente da consultoria de investimentos Merk Investiments, em entrevista à DW. "Nós já corremos o risco com o Lehman [Brothers, quarto maior banco de investimentos dos EUA, que faliu em 2008], e isso foi muito ruim. Mas eu não acho que podemos ver algo em comparação ao que passaríamos caso os EUA realmente dessem um calote."

"Privilégio exorbitante"

No auge do seu poder após a Segunda Guerra Mundial, os EUA criaram uma nova ordem financeira baseada em instituições liberais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. E o meio de troca utilizado neste sistema era o dólar, que era indexado ao valor de 35 dólares a onça de ouro. Todas as outras moedas passaram, então, a ser atreladas ao dólar, instituindo a moeda americana como a divisa de referência do sistema econômico mundial.

Na década de 1960, o então ministro das Finanças francês, Valery Giscard d'Estaing, classificou a situação como "privilégio exorbitante" do dólar americano.

Ben Bernanke
Ben Bernanke é o atual presidente do Fed, o banco central americanoFoto: Reuters

"Isso se refere ao fato de que, como o dólar é a moeda do mundo, os EUA podem pegar dinheiro emprestado mais barato ", afirma Barry Eichengreen, autor do livro Privilégio exorbitante: a ascensão e queda do dólar e o futuro do sistema monetário internacional. "Os bancos e empresas dos EUA podem fazer negócios transfronteiriços usando sua própria moeda, que tem seu próprio valor de conveniência."

E os EUA, afirma o economista, tem uma política de seguros que já é bem solidificada. "Sempre que algo vai mal no mundo – nos EUA ou no exterior – e os rendimentos caem, o dólar sobe. Dessa forma isto isola os EUA dos piores efeitos", opina.

"Dimensão, estabilidade e liquidez"

De acordo com Eichengreen, o dólar tem três atributos únicos que nenhuma outra moeda possui: dimensão, estabilidade e liquidez. Como os EUA são um grande país, existem mais dólares disponíveis do que qualquer outra moeda. E a moeda americana tem realizado um bom trabalho no que se diz respeito a manter o seu valor.

Historicamente, os títulos do tesouro são reconhecidos por investidores como um mecanismo financeiro qualitativo avalizado por um governo que paga suas contas em dia.

"De um modo geral os EUA eram – estou falando do passado – razoavelmente prudentes como seus assuntos fiscais eram executados", assinala Merk. Mas, acima de tudo, os investidores gostam da liquidez sem paralelo com o dólar, o que significa que, em evento de crise, os títulos do tesouro podem ser facilmente vendidos sem perder muito o seu valor.

"Especialmente em uma crise não há nada que investidores mais valorizam do que a liquidez", diz Eichengreen. "E o mercado de títulos do Tesouro dos EUA tem sido, historicamente, o mercado financeiro mais líquido do mundo."

“É o nosso dólar, mas o problema é seu”

Mas, de acordo com Merk, os EUA não estão mais focando na qualidade de seus títulos. No passado, Washington procurou promover um dólar forte através de uma boa gestão fiscal. Hoje, porém, os políticos estão simplesmente imprimindo dinheiro.

Janet Yellen / Fed / US-Notenbank
Indicação de Barack Obama, Janet Yellen deverá ser a primeira mulher a assumir a presidência do FedFoto: Reuters

Merk diz que, ao confiar no Federal Reserve (Fed, o BC americano), os EUA têm dito efetivamente às outras nações: "este é o nosso dólar, mas o problema é seu". "Outros vão aceitar isto porque é o problema deles, mas eles vão tentar encontrar maneiras de lidar com isso ao longo do tempo", acrescenta.

Cada vez mais países começaram a diversificar suas reservas cambiais para reduzir sua dependência do dólar. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o dólar era responsável por 72% das reservas mundiais de divisas em 2001. Hoje, representa 62%.

"Eles decidiram ser um pouco mais estratégicos", diz Merk. "Eles estão comprando mais ativos reais – como os que ajudam em suas necessidades energéticas e de alimentação. Mas também quanto ao tesouro, eles estão comprando títulos canadenses, europeus ou australianos."

Para suprir a lacuna, o Fed recompra mensalmente 85 bilhões de dólares em títulos públicos dos EUA. "Por que há uma necessidade de o próprio Fed comprar estes ativos?", questiona Josef Braml, do Conselho Alemão de Relações Exteriores. "É porque os chineses e japoneses não os compram há tempo."

Ausência de alternativa viável

Mas, de acordo com Eichengreen, a diversificação tem ocorrido de forma superficial. Embora os EUA representem 25% da economia mundial, o dólar é ainda responsável por 85% de todas as operações de câmbio.

"É surpreendente o quão pouco aconteceu até agora em resposta ao que está acontecendo em Washington", diz Eichengreen. "A explicação – em uma palavra – é a descrença. Ninguém na Europa e na Ásia acredita que os políticos americanos são insanos. Eles se recusam a acreditar que o sistema político dos EUA é tão disfuncional que políticos irresponsáveis poderiam levar o governo a um calote.”

China Finanzmarkt Juni 2013
A moeda chinesa ainda não é uma alternativa viável ao dólarFoto: ChinaFotoPress/Getty Images

E existem poucas opções no momento. O euro continua abalado por sua própria crise, o yuan chinês não foi totalmente internacionalizado e o iene japonês continua a perder seu valor. "A principal coisa trabalhando em favor do dólar é a ausência de alternativas viáveis", opina Eichengreen.

No entanto, se um impasse no Congresso se repetir em fevereiro e os EUA deixarem de pagar suas obrigações, a confiança do investidor no dólar pode se dissipar. "Este evento é potencialmente um grande negócio, porque ele põe em dúvida a estabilidade do dólar e pode lançar dúvidas na liquidez do mercado."