Rio relembra Asta Nielsen, primeira grande estrela do cinema
13 de agosto de 2014Uma figura forte, com grandes olhos pretos e um rosto que transborda mistérios, mas sem jamais perder o carisma. A dinamarquesa Asta Nielsen foi a primeira grande estrela do cinema. Mulher forte e independente, ela abriu caminho para as grandes estrelas dos anos 1930, como Great Garbo e Marlene Dietrich.
A mostra 4 filmes de Asta Nielsen e o início do cinema, em cartaz no Rio de Janeiro, é uma oportunidade para o público conhecer um dos maiores ícones de uma arte que estava em transformação e que ganhou novos paradigmas e proporções depois que começou a falar.
"O trabalho de Nielsen é pouco conhecido entre nós. Temos mais referências a ela em livros de história do cinema do que um real contato com seus filmes. O recente restauro desses quatro títulos – que o Instituto Moreira Salles conseguiu graças ao apoio do Instituto Goethe – é uma oportunidade única de conhecer a atriz que se tornou um mito no começo do século 20", diz o curador da mostra José Carlos Avelar, em entrevista à DW Brasil.
Nascida na Dinamarca, Nielsen se mudou para a Alemanha no começo da década de 1910 e se tornou a grande estrela da era de ouro do cinema alemão. No entanto, sua popularidade não se restringiu apenas ao país, mas se espalhou por toda a Europa.
Vinda do teatro, Nielsen foi uma das responsáveis por transformar a atuação cinematográfica, representando com um estilo mais natural. Para o roteirista e teórico de cinema húngaro Béla Balázs (1884-1949), "o que Asta Nielsen diz com o seu rosto nem mesmo o maior escritor poderia traduzir em palavras".
Grande mulher, grandes personagens
Nascida numa família da classe trabalhadora, sua aspirações teatrais conseguiram se tornar realidade numa Dinamarca onde o movimento feminista ganhava cada vez mais força. Aos 21 anos, ela engravidou e decidiu ser mãe solteira, algo chocante para a época.
Em 1902, estreou no palcos e, em 1910, estrelou seu primeiro filme, Avgrunden. O filme foi como uma janela onde o mundo pôde ver o nascimento de uma estrela. A presença de Nielsen é marcante, cheia de sensualidade e com um estilo minimalista na atuação, algo até então inédito no cinema mudo.
"Nielsen foi uma das primeiras intérpretes de cinema a deslocar a atenção do espectador da cena propriamente dita para a personagem em cena. O processo de invenção do cinema ainda não terminara quando Nielsen – não apenas ela, mas ela principalmente – criou uma personagem – ou uma personalidade – cinematográfica que passou a transportar de filme para filme", explica Avelar.
Depois de mais alguns filmes em seu país natal, ela se mudou para a Alemanha. Nos próximos anos, Nielsen atuou em diversos filmes, nos mais diferentes papéis. Mesmo durante a guerra, sua popularidade se manteve inabalada por toda a Europa.
"A apresentação desses filmes neste momento nos permite ter uma imagem da Europa e do cinema europeu às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Assim, temos Nielsen em dois exemplos das reivindicações femininas de então, o direito de atuar na vida política (Die Suffragette) e na vida econômica (Die Börsenköningin). E em dois exemplos de comédias ligeiras do cinema mudo (Das Liebes ABC e Das Eskimobaby)", diz o curador.
Os quatro filmes que fazem parte da mostra – A sufragete, ABC do amor, A rainha da bolsa, O bebê esquimó – foram realizados entre 1913 e 1916.
No entanto, nem todas as parte do mundo estavam prontas para Nielsen. Devido às mulheres fortes representadas por ela nas telas e ao erotismo em sua atuação, seus filmes foram fortemente censurados nos Estados Unidos. Fora da Europa, seu trabalho permaneceu obscuro.
"Em lugar de ir ao cinema, em lugar de ir ver um filme, o espectador ia ver Asta Nielsen, tal como pouco depois passou a ver Max Linder ou Carlitos, e mais tarde Theda Bara, Dietrich ou Garbo, o ator e a atriz, mais do que o filme. Esse pedaço sensual de toda a imagem cinematográfica, que toca os olhos e se espalha à flor da pele do espectador, como coisa viva de verdade, ganhou uma presença viva de verdade", afirma Avelar.
Uma carreira sem palavras
Nielsen continuou trabalhando na Alemanha até o surgimento do cinema sonoro. Seu primeiro filme falado, Unmögliche Liebe (1932), foi também o último filme de sua carreira. Ela voltou então a atuar apenas nos palcos.
"Os primeiros anos do cinema falado deram a sensação de que o mudo era uma expressão incompleta. Privilegiou-se então a fala nas composições cinematográficas, deixaram de existir histórias e personagens feitos para atores que inventaram um modo de atuar. O cinema mudo foi uma expressão completa, independente, acabada em si mesma, e várias das lições de então só vieram a ser reincorporadas à linguagem do cinema bem depois dos primeiros filmes sonoros", explica José Carlos Avelar.
Durante o governo nazista, Nielsen foi convida para tomar chá com Adolf Hitler, que queria convencê-la a retornar ao cinema. Ele tinha interesse na forte presença da atriz na tela. Mas ela negou o convite e trocou a Alemanha pela sua Dinamarca natal em 1936.
Além dos quatro filme estrelado por Nielsen, a retrospectiva ainda conta com o programa de curtas A Europa antes de 1914. Dividido em duas partes – O cinema entre o espetáculo de circo e o teatro de variedades e O cinema entre o registro da atualidade e a atualidade ficcionada –, o programa traz cópias restauradas de produções ficcionais e documentais feitas no continente até a Primeira Guerra.
Para Avelar, os curtas mostram como estava o cinema europeu no tempo de Nielsen e como a Europa estava antes da guerra. "São documentários e cenas de ficção que mostram o cinema em tempo de se inventar e o mundo em tempo de se desinventar com a estupidez da guerra", diz o curador, que destaca A tragédia na mina, de Ferdinand Zecca, e a copia colorida à mão de O rei dos dólares, de Segundo de Chomón, entre os curtas selecionados.
A mostra 4 filmes de Asta Nielsen e o início do cinema está em cartaz no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro até 28 de agosto.