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Rodada Doha: é agora ou nunca

Fernando Scheller15 de maio de 2006

Em entrevista exclusiva à DW-WORLD, o embaixador do Brasil em Genebra, Clodoaldo Hugueney, afirma que as negociações sobre subsídios podem ser adiadas por dois anos caso não se chegue a um acordo até julho.

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O entrevistado é chefe da missão brasileira na OMCFoto: AP

O calendário político dos Estados Unidos e de países da América Latina pode mais uma vez colocar em risco a finalização da rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja conclusão vem sendo adiada desde o fim de 2004. Se um consenso não for atingido até julho deste ano, é improvável que um acordo seja fechado antes de 2009, segundo o embaixador, por causa de mudanças políticas ao redor do mundo.

Por isso, a hora de os países desenvolvidos tomarem uma decisão sobre a redução de subsídios e barreiras a produtos agrícolas é esta. Como o mandado de Doha tem um caráter desenvolvimentista, Hugueney afirma que é natural que os países em desenvolvimento, de economia mais frágil, terminem as negociações recebendo vantagens que aumentem sua competitividade no cenário internacional.

DW-WORLD: O prazo para a finalização da rodada Doha é julho deste ano. O sr. acredita que a meta pode ser cumprida?

Clodoaldo Hugueney: É uma negociação complexa, uma agenda ampla que envolve os 149 membros da Organização Mundial do Comércio. São interesses importantes, e por isso está difícil de concluir dentro do prazo. Por isso, a prioridade hoje é para os subsídios agrícolas e para os produtos industriais. A rodada Doha deveria ter terminado em 2004, mas acabou sendo adiada e agora o novo prazo é o fim de 2006, embora a discussão tenha de ser encerrada até o meio do ano, pois há um calendário político nos EUA e também na América Latina que pode empurrar este debate para 2009.

Clodoaldo Hugueney, brasilianischer Botschafter bei der WTO
Embaixador Clodoaldo HugueneyFoto: Fernando Scheller

O segundo semestre seria usado basicamente para acertar as regras e definir as listas de concessões. É preciso que se defina o quanto os países desenvolvidos vão ceder em agricultura e o quanto os países em desenvolvimento vão ceder em produtos industriais. Estamos num momento em que essa discussão não pode ser mais empurrada com a barriga.

O Brasil tem feito sua parte na tentativa de fechar o processo de negociações dentro do prazo?

O Brasil e o G-20 [grupo de países em desenvolvimento que negocia a queda de barreiras para produtos agrícolas] apresentaram propostas de concessão de forma concreta, os números estão todos sobre a mesa. O Brasil vai ceder em produtos industriais. Mas a União Européia terá de ceder na questão do acesso ao mercado agrícola, enquanto os EUA terão de reduzir o apoio doméstico à agricultura.

Por que a política de subsídios tem de ser abandonada?

Uma reforma da agricultura mundial é necessária. Neste processo, é claro que os países exportadores de produtos agrícolas ganharão. Mas a política de subsídios é ultrapassada, e as derrotas dos EUA e da UE no processo de solução de controvérsias da OMC são a prova disso. A UE terá de reduzir subsídios para cumprir metas orçamentárias. Os subsidios causam um excedente de produção e um aumento no preço dos alimentos. A política agrícola dos EUA é do tempo da depressão, foi desenvolvida há mais de 70 anos. E a rodada Doha tinha desde o início um objetivo de desenvolvimento. Por isso, é importante que ela produza resultados para os países de economia menor.

O Brasil tem obtido sucesso nos processos de resolução de conflitos da OMC, vencendo disputas contra a União Européia e os EUA. Mas há comentários de que o cumprimento das decisões está sendo mais lento do que se esperava.

O atual processo de solução de controvérsias é mandatório. Após o resultado final e a apelação, não há muita saída. A decisão tem de ser cumprida, ou então o país corre o risco de sofrer retaliação financeira. Mas este é um mecanismo de última instância e que não vai satisfazer o objetivo final do Brasil, que é a redução dos subsídios sobre o algodão e o açúcar. Vamos seguir fazendo pressão para que os países cumpram a decisão da OMC. E eles estão dizendo que vão implementar. No caso do algodão, a questão dos subsídios à exportação já foi resolvida, falta agora o corte dos subsídios internos.

O álcool combustível parece ser um dos produtos com maior potencial de crescimento de exportação nos próximos anos. Entretanto, ainda há tarifas altas para a entrada do álcool em vários países. O etanol pode ser objeto de um contencioso na OMC nos próximos anos?

O etanol tem um futuro enorme, especialmente se o Protocolo de Kyoto entrar em vigor. O petróleo a 75 dólares o barril também viabiliza a entrada de energias alternativas no mercado. Como a demanda pelo produto promete ser muito grande, nenhum país poderá produzir tudo o que consome. Haverá naturalmente um balanço entre produção doméstica e exportação, apesar de os EUA produzirem etanol a partir do milho e a Europa obter combustível a partir de cereais. O Brasil é uma exceção neste mercado importantíssimo.

O interesse pelo combustível alternativo vai crescer naturalmente, até pelo produto ser ambientalmente correto, o que deve naturalmente reduzir tarifas. E o Brasil produz mais barato e com eficiência, pois tem 40 anos de experiência na área. Há muito para acontecer neste mercado.

Qual é a importância da negociação na OMC para a redistribuição de renda no Brasil?

O Banco Mundial tenta mostrar em estudos que há uma relação direta entre a diminuição da pobreza e a liberalização comercial. Em linhas gerais, isso é verdade. Entretanto, o processo tem de estar ligado a um projeto político de redistribuição de renda. Uma coisa não está naturalmente relacionada à outra.

Há políticas sociais redistributivas no Brasil, e o projeto de biodiesel, por exemplo, está dando prioridade a propriedades rurais do Nordeste para o plantio de mamona, uma planta que cresce em qualquer lugar. O objetivo é ligar esses agricultores ao sistema produtivo, como ocorre com os produtores de cana, que vendem o produto para a destilaria.